Por que todos nós deveríamos ser feministas?

Por Marisa Loures

13/02/2018 às 09h47 - Atualizada 13/02/2018 às 11h36

Em “O clube da puta”, Georgia Anunciação reflete sobre temas, como machismo, homofobia e relacionamentos abusivos – Foto Divulgação

No prefácio de “O clube da puta” (Berthier), Laís Azeredo Alves manda um recado: “Precisamos entender por que todos nós deveríamos ser feministas.” A resposta está no grito de alerta de 208 páginas, lançado aos leitores, pela escritora gaúcha, de 23 anos, Georgia Anunciação. Devemos ser feministas, acredita a autora, porque estamos em um país que tem um dos maiores índices de violência contra a mulher. “Uma denúncia de agressão é feita a cada sete minutos, 500 mulheres são vítimas de agressão a cada hora, ocorrem doze assassinatos de mulheres por dia e 135 estupros por dia também”, sentencia Georgia, sem meias palavras, lamentando que, apesar de altos e alarmantes, os números, infelizmente, ainda estão longe do que realmente acontece em nosso país. Por medo, mulheres se calam.

“Acredito que é uma luta de representatividade, de igualdade de gênero, que nós devemos, com certeza, abraçar, porque diz respeito às reivindicações que esta nova geração está fazendo em relação à nossa política, em relação ao cenário do Brasil”, complementa Georgia, que, na obra, convida-nos a refletir sobre temas, como homofobia, transfobia, feminismo atual (e não radical), o homem feminista, o pai de Facebook, o homem dentro do feminismo, padrão de beleza, machismo, as mulheres de 70 anos e outros assuntos.

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É falando sobre “As prostitutas da Rua Augusta” que Georgia inicia sua conversa com os leitores. Uma conversa direta, sem formalidades. Essa escritora que se descobriu feminista aos 19 anos, depois que deixou Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, para trás, pegou um caderninho e uma caneta e foi para campo buscar material para a iniciação científica. Conheceu a realidade. “Trinta prostitutas depois”, desistiu de escrever sobre prostituição.  Descobriu que seu desejo era falar sobre mulheres. Todas elas. Assim, nasceu “O clube da puta”. Qual a proposta do livro? “Eu quero que você saiba o que é feminismo e o que ele propõe. Eu quero que você entenda qual é a luta.”

Marisa Loures – Por que o título “O clube da puta”?

Georgia Anunciação – O título do meu livro é “O clube da puta” porque eu iniciei uma pesquisa sobre prostituição. Essa é a raiz do livro. De certa forma, o termo “puta” foi muito vulgarizado nos últimos anos. É interessante a gente notar que, muitas vezes, as mulheres são tratadas como putas, porque elas têm liberdades, porque elas vivem a vida delas do jeito que elas acham que é melhor. Muitas vezes, não tem muito a ver com a prostituição de fato, mas, sim, com a questão de julgar a mulher por ela ter a liberdade dela.

– Você disse que a mídia está tendo certa resistência em falar sobre seu livro por causa do título. O preconceito começa por aí?

– Tenho para te dizer que, quando publiquei o livro com esse título, queria que ele chamasse atenção, que fosse forte. Não queria que fosse uma coisa normal. Queria que uma pessoa passasse na livraria e ficasse curiosa, mas eu sabia que teria certa resistência. O que acontece é que, simultaneamente, enquanto alguns veículos não querem falar a respeito dele, vejo as pessoas que o leram, de diversos públicos, sexo masculino e feminino, de diversas faixas etárias, que, de certa forma, se assustaram um pouco com o título, mas entenderam o propósito. Entenderam que um tema tão alarmante deve ter um título chocante.

“As pessoas, hoje em dia, olham para o feminismo  e para as causas e pensam que dizem respeito apenas a questões como assédio, mas, na verdade, os tópicos e agendas do feminismo tratam de direitos civis, igualdade salarial, inserção da mulher no mercado de trabalho, inserção da mulher em outros âmbitos, como a política.”

– Muita gente pode ver como exagero as causas pelas quais as feministas lutam em pleno século XXI, mas ainda é muito presente o assédio contra a mulher. No ano passado, tivemos, por exemplo, o caso daquela deputada que foi chamada de gostosa em plena Câmara. É para questões como esta que você quer chamar atenção?

– Acredito que a questão feminista tem essa ignorância em torno dela, porque o feminismo é uma corrente política com raízes muito profundas. Acaba sendo um tópico extremamente acadêmico, é um tópico extremamente fechado, e são poucas pessoas que têm acesso a essa informação. As pessoas, hoje em dia, olham para o feminismo e para as causas e pensam que dizem respeito apenas a questões como assédio, mas, na verdade, os tópicos e agendas do feminismo tratam de direitos civis, igualdade salarial, inserção da mulher no mercado de trabalho, inserção da mulher em outros âmbitos, como a política. Obviamente, meu livro quer chamar atenção para a questão do assédio. É bastante extenso, me alonguei bastante, porque acho que, no Brasil, temos a cultura de achar o assédio normal por medo de acontecer alguma coisa, principalmente, quando é algo bem urbano. Mas também, o objetivo é explicar tudo o que está acontecendo no Brasil nesse momento, fazer um panorama atual e observar outras causas para que a mulher não esteja em situação de igualdade.

– Se fazemos uma denúncia de assédio, muitos acham que é frescura. Apesar disso, parece que as mulheres estão tendo mais coragem de gritar, porque temos visto movimentos no mundo inteiro nesse sentido. E como está a repressão a crimes contra as mulheres?

– Sou muito otimista em relação ao futuro, porque estou percebendo, ultimamente, que há um choque de gerações muito forte. Convivemos com cerca de quatro gerações simultaneamente. De certa maneira, a gente percebe que coisas que eram normais na época das nossas avós, das nossas mães, não são mais normais, não são mais aceitas e há uma representatividade muito forte. As mulheres estão se engajando. Então, o cenário que vem pela frente não tem como ser diferente, vai ser muito positivo.

“Uma mulher não consegue transitar em paz na rua em muitos lugares do Brasil. É difícil aceitar, é difícil acreditar que esse vai ser o mundo que a gente vai deixar para nossas filhas. É difícil achar isso normal. É uma geração que é treteira, não aceita, e está certa em não aceitar, porque é nossa herança para o mundo deixá-lo melhor do que o encontrou.”

 – No material de divulgação de “O clube da puta” está dizendo que o livro representa parte dessa geração, definida como “problematizadora treteira”. Como é essa mulher “problematizadora treteira”?

– Acredito que isso diz respeito à minha geração, porque temos esse costume de não aceitar as piadas. Não aceitamos, porque essas piadas que você ouve de um tiozão mais velho, ouve de um professor, parecem piadas, num primeiro momento, mas elas têm raízes muito mais profundas. Elas normalizam a violência que acontece todos os dias, e a nossa geração não suporta isso, porque o cenário que a gente vive é insustentável, principalmente, em grandes cidades, em periferias. Uma mulher não consegue transitar em paz na rua em muitos lugares do Brasil. É difícil aceitar, é difícil acreditar que esse vai ser o mundo que a gente vai deixar para nossas filhas. É difícil achar isso normal. É uma geração que é treteira, não aceita, e está certa em não aceitar, porque é nossa herança para o mundo deixá-lo melhor do que o encontrou.

– No início do livro, você conta que nasceu no sul do país, que é branca e que teve uma infância privilegiada. Nunca precisou andar de ônibus, por exemplo. A mudança para São Paulo, aos 19 anos, é que te fez feminista. Foi importante sair da bolha?

– Foi extremamente relevante, porque eu morava em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, uma cidade não exatamente pequena, tem 200 mil habitantes. Mas, em relação a São Paulo, que tem 11 milhões, é. Lá, eu convivia e normalizava muitas situações que, hoje em dia, aqui em são Paulo, acho extremamente problemáticas. E como eu nunca fui aberta para o mundo, como eu nunca fui largada para o mundo, sempre vivia naquela bolha de proteção. Eu vejo muitas mulheres em situação semelhante, acham que é besteira a questão do feminismo, porque elas nunca viram a realidade. Nestas cidades menores como a minha, o acesso à informação existe, mas as pessoas não veem a necessidade dela, porque é um mundo mais fechado, e a mesma situação é encontrada em periferias. Digo muito que meu livro tem que ir para as mulheres de periferias, porque elas são as que menos têm acesso à informação.

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– Você faz um alerta sobre homens que se dizem pró-feminismo e, muitas vezes, pintam a imagem de caras do bem. O seu alerta vai no sentido de que esses homens não vão aceitar o fato de que, eventualmente, terão atitudes machistas, mas vão ter. Estes podem ser considerados os piores tipos?

– Talvez sejam os piores, porque essas pessoas que são muito desconstruídas, até mesmo mulheres que acham que são extremamente a favor do feminismo, muitas vezes, cometem atos de machismo, mas elas não notam. Às vezes, eu mesma até tenho pensamentos machistas. A gente tem que se policiar muito. Mas não dá para generalizar a questão dos homens, porque o feminismo é uma luta para ambos os gêneros. Os homens também sofrem com o machismo. Essa questão de que o homem tem que ser o único provedor da casa, tem que ser masculino, não pode chorar, é uma questão que mostra que o machismo é muito forte, é muito latente. Essa masculinidade aflorada o tempo inteiro, eu não considero normal. Não acho justo que os homens se sintam dessa forma.

– O livro ainda chama atenção para os pais de Facebook e fala, também, das mulheres de 70 anos. Quem são esses pais, quais problemas que eles trazem para as crianças e para as mulheres? E como é o diálogo que se dá entre a geração deles e a das mulheres de 70 anos?

– A gente observa que as mulheres de 70 anos e os pais de Facebook são gerações completamente conflitantes. Os pais de Facebook representariam, talvez, a minha geração. Tenho 23 anos. E as mulheres de 70 anos, uma geração muito mais antiga, a geração Baby Boomers. Levantei esse tópico sobre a paternidade de Facebook para falar sobre a inclusão das redes sociais e a importância delas na nossa geração, porque conheço inúmeros casos de homens que têm filhos, não pagam pensão, não são presentes, mas, se você vai olhar a rede social da pessoa, parece ser um pai extremamente presente, é um paizão, e, às vezes, não é. A rede social acaba sendo algo mais importante do que deveria ser. Lá, as pessoas fazem questão de mostrar que estão bem, e isso é muito conflitante com as outras gerações. Vejo, por exemplo, as mulheres de 70 anos. É uma geração em que não existia essa questão da internet tão latente. Não tinha nem internet. Os problemas são diferentes, as reivindicações são diferentes. Hoje em dia, lutamos pelos direitos, e as mulheres estão superantenadas, engajadas, estão participando, só que, na época da minha avó, não havia essa disseminação de informação tão intensa. Esses dois tópicos foram feitos, principalmente, para ilustrar esse choque de geração. Como o feminismo é muito extenso, existe desde a Revolução Francesa, não com o nome de feminismo, teve ao logo dos anos muitas diferentes reivindicações. Foi uma vitória o sufrágio feminino, depois o divórcio, depois a inserção da mulher no mercado de trabalho. Hoje em dia, isso já existe, a gente acha completamente natural e tem outras lutas. Hoje, os desafios são a violência, a igualdade salarial. Eles vão se modificando ao longo da história.

“O clube da puta”

Autora: Georgia Anunciação

Editora: Berthier, 208 páginas

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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