Literatura de dar água na boca

Por Marisa Loures

15/08/2017 às 07h00 - Atualizada 17/08/2017 às 07h41

As jornalistas Luciana Fróes e Renata Monti lançam, em Juiz de Fora e em Rio Novo, o livro “Tô frito”, com ilustrações de Paulo Villela – Foto de Bruno Barreto

Desastre pode até ser uma palavra que nos causa arrepios, um prenúncio de dor e sofrimento, mas também pode ser interessante e até – por que não? – deliciosa. As jornalistas Renata Monti e Luciana Fróes conseguiram provar que ela tem potencial para carregar essa outra conotação no livro “Tô frito! – Uma coletânea dos mais saborosos desastres na cozinha” (Rocco/Bicicleta Amarela, 224 páginas). Com ilustrações de Paulo Villela, a publicação foi lançada há pouco no Rio de Janeiro e chega a Juiz de Fora, para nosso deleite, no próximo sábado, às 16h, na Planet. No domingo, ao meio-dia, o bate-papo com os leitores ocorre em mais uma edição da Festa Literária de Rio Novo, que, em 2017, foi batizada de Fliminas – Festa Literária de Minas Gerais.

O elenco que protagoniza esses pequenos deslizes culinários, contados em primeira pessoa, é de peso. Tem Claude Troisgros e seu francês carregado de “erres”, Roberta Sudbrack, Rogério Fasano, Flávia Quaresma, Kátia Barbosa, Roberta Ciasca, Zé Hugo Celidônio e tantos outros monstros da cozinha. Renata e Luciana tiveram a tarefa de fazê-los reviver casos que, contados hoje, parecem até mentira, de tão inusitados. Na introdução da obra, elas nos fazem ver que pequenas distrações e acidentes de percurso na hora do preparo de uma iguaria, não é de hoje, resultam em acertos memoráveis.

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“Do leite, esquecido ao relento, que virou queijo (e o que seria de nós sem o cochilo providencial desse camponês genial?) à luta de Dom Pérignon para controlar as borbulhas que fermentavam na garrafa e acabavam estourando, provocando o ploft! mais festejado do planeta. Tim-tim!, para todo o sempre, a esse santo homem. Amém.”, escreveram elas,  também dando vivas ao confeiteiro de Luís XIV que, ao bater além da conta o creme de nata com açúcar, fez nascer o chantilly.

“Ultimamente, só se vê o glamour da gastronomia nas TVs, nos programas, que são inúmeros. Acho que os chefs até receberam a proposta com muita abertura, porque eles sabem que a história deles não é feita só da perfeição que está na televisão. Muita gente quis falar. Às vezes até disse “ah, essa história não”, mas depois viu que era tão interessante, tão bacana, que topou fazer. Acho que é isso. Na vida de todo mundo, errar é fundamental, porque é com erro que a gente cresce e vai desenvolvendo o ser humano que é hoje. O livro não é só para quem gosta de cozinhar, mas é para quem gosta de se superar e ver que errou hoje, mas amanhã vai conseguir”, conta Renata, essa juiz-forana que, apesar de ter viajado para várias coberturas em diversos países, guarda com ela o aroma e o gosto da comida mineira, principalmente, aquela que é feita aqui, na nossa terra, na casa da Rita, sua mãe, e da vó Dinorah.

Marisa Loures – Quando vocês viram que esses desastres culinários poderiam render um livro?

Renata Monti – Trabalhando na redação do Globo, ao lado da Luciana Fróes, a gente sempre chegava da rua com alguma história. “Ah, o chef me contou isso, aconteceu isso com o molho. O outro teve que subir na escada para arrumar uma água que não estava boa na cozinha”. Coisas do cotidiano. A partir dessas histórias, resolvemos fazer um livro sobre isso. A gente fez à medida que ia se encontrando com os chefs. Entrevistava, pegava uma pergunta. Aproveitava que alguns chefs vinham ao Rio e marcava um café para conversar. Surgiu no meio da redação mesmo. É uma coletânea de entrevistas, um trabalho coletivo. Os chefs falam em primeira pessoa, e a gente fez o trabalho de entrevistá-los e reviver estas histórias com o aval deles.

Batista, fiel escudeiro de Claude Troisgros, protagonizou um dos episódios mais engraçados relatados no livro – Foto de Fábio Seixo

– Além disso, é um livro para se divertir, porque tem muitas histórias engraçadas…

Renata Monti- Tem muita história divertida. Por exemplo, o Claude Troisgros, um francês que tem até um programa no GNT, conta que, quando foi abrir seu primeiro restaurante, ele estava finalizando as obras, mas precisava abrir porque estava sem dinheiro e tinha que correr atrás do prejuízo. No dia da inauguração, ainda tinha o lustre para instalar no teto, aí um gato começou a miar no telhado e miava, miava. Ele ficou superincomodado e pediu ao assistente, o Batista, para subir no telhado e tirar o gato de lá. Na hora em que o Batista sobe, ele cai no salão do restaurante com o gato e tudo. São histórias engraçadas, que tem bom humor. A gente tentou pegar por esse lado, do humor, da risada. E tem muita gente se divertindo pelo retorno que estamos tendo dos leitores.

Desses saborosos desastres, qual é seu preferido?

Renata Monti- Não chega a ser um desastre, mas é uma história inusitada. O chef Guga Rocha, que é de Alagoas, me contou na entrevista um caso que ele nem queria que fosse publicado, mas depois ele falou: “Acho que vale.” No início da carreira, veio do Nordeste para São Paulo e precisava muito trabalhar. Ele foi convidado por um executivo para fazer um jantar. Chegando lá, ele disse: “vamos discutir o cardápio.” “Eu quero que você faça um sushi humano” “Mas como assim? Não tem isso no Nordeste!” O executivo falou.  “É  aquela história de uma mulher bem bonita,  deitada na mesa nua coberta de sushi.” Ele falou que ficou muito constrangido, não queria fazer, mas precisava do dinheiro, e o executivo só ia aumentando a verba. Aí ele falou que ia encarar e fez o sushi humano. Isso é muito representativo. O cara estava ali precisando mostrar seu trabalho e aproveitou a situação para se situar no mercado em São Paulo. São histórias assim que a gente reuniu.

Flávia Quaresma e sua Torta Terremoto – Foto de Fábio Seixo

 

– E foi num desastre desses que a Flávia Quaresma criou uma sobremesa que fez o maior sucesso no aniversário de uma senhora da sociedade carioca. A torta tombou e ali, naquele momento, nasceu a Torta Terremoto. O nome, ela conta, foi criado ali, naquele momento. Na gastronomia, o marketing é tudo?

Renata Monti – Ela fez a receita da Torta Terremoto num dia frio no Rio. Quando foi servir num buffet, estava supercalor, e o Rio de Janeiro faz mais de 40 graus. A torta, literalmente, derrubou na mesa, foi derretendo. Então, ela criou esse nome, Torta Terremoto, com todo o salão olhando para ela e a torta caindo, e até hoje ela serve. Acho que é isso. Muitas das receitas que a gente come por aí são frutos de erros que eles souberam aproveitar.

– Você é jornalista, está acostumada a cobrir gastronomia. O tema não é novo para você, mas a publicação de um livro sim. O que vislumbra daqui para frente?

Renata Monti – O livro foi completamente despretensioso. A gente fez mesmo na empolgação de estar com esses personagens tão legais da nossa gastronomia. Foi uma forma, também, de registrar essas histórias, produzir memórias. Ficaram muitas histórias de fora. Se a gente puder fazer o “Tô frito 2”, a gente vai tentar. Muitos chefs já entraram em contato, falaram: “Ah lembrei disso, tenho uma história tal.” Seria um projeto legal de continuar.

– Sua carreira jornalística começou em Juiz de Fora,  atuando em coberturas diárias de assuntos gerais. Como foi essa transição para a gastronomia?

Renata Monti – Trabalhei em Juiz de Fora em alguns veículos e, realmente, cobria cidade, assuntos mais gerais. Com minha mudança para o Rio, algumas coisas foram acontecendo, e a gastronomia do Rio de Janeiro foi crescendo. Abriram muitos restaurantes, uma galera jovem começou a se formar, vindo do exterior e também de boas escolas de gastronomia que o país tem hoje em dia, inclusive em Juiz de Fora e Barbacena. Acho que foi uma conjunção de fatores. Eu estava na redação do Globo, cobrindo cultura, e me fizeram essa proposta de acompanhar esse movimento no Rio, do que estava acontecendo, quais bares e restaurantes estavam abrindo, quais chefs estavam se destacando. Aí foi a hora certa, no momento certo, e as coisas acontecendo por aqui. Foi uma surpresa, nunca imaginei estar cobrindo essa editoria. É uma editoria muito rica, e o Brasil tem muito a mostrar ainda. A gente tem muitos cozinheiros escondidos por aí, nos recantos do nosso país, que é enorme.

Kátia Barbosa, sempre ao lado da filha Bianca, é referência da culinária brasileira de raiz – Foto de Fábio Seixo

– Você precisou fazer cursos e se especializar para entender de temperos e sabores para começar a escrever sobre comida?

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Renata Monti – Não fiz qualquer curso. É acompanhar o dia a dia, entrar nas cozinhas, conversar com os chefs, aprender. Estou fazendo tudo isso na prática. É um mundo que se abre, porque são muitas técnicas, ingredientes, sabores, texturas, receitas, ainda mais com esse boom gastronômico que a gente vê na Tv e nas redes sociais. É muita leitura e prática.

– Em coberturas internacionais, você já esteve na França, em Portugal, no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, decifrando ingredientes e explorando sabores. Ainda assim, qual sua culinária preferida?

Renata Monti – É a mineira, sempre vai ser. É a referência que a gente tem da comida afetiva da nossa avó. Minha vó Dinorah e minha mãe Rita moram em Juiz de Fora e fazem um frango com quiabo maravilhoso. Tem ainda o angu, que é difícil de encontrar nos pratos dos cariocas. A cozinha é coração. Por mais que a gente coma em restaurantes com estrelas Michelin, acho que o que fica é o afeto da família e a referência que a gente tem de quando criança. Tirando essa parte sentimental, a cozinha mineira é muito interessante e riquíssima, com a influência dos bandeirantes, dos índios, dos negros, que trabalharam imensamente para o estado crescer. Eu amo um torresmo e as comidas típicas daí.

 

“Tô frito”

Autoras: Luciana Fróes e Renanta Monti

Editora: Rocco/Bicicleta Amarela (224 páginas)

Lançamentos:

Juiz de Fora – 19 de agosto, às 16h, na Planet (Rua Moraes e Castro 218 – Alto dos Passos)

Rio Novo –  20 de agosto, ao meio-dia, na Fliminas (Festa Literária de Minas Gerais)

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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