O STF e a segurança jurídica


Por Paulo Roberto de Gouvêa Medina, professor emérito da UFJF

30/12/2021 às 07h00

Em obra coletiva, prestigiada por eminentes juristas nacionais, tive oportunidade de abordar o tema segurança jurídica, sob o prisma do Direito Processual. Um dos aspectos focalizados foi o da estabilidade da jurisprudência. É esse um fator essencial à segurança jurídica. E tem sido, ultimamente, o que mais suscita controvérsia e gera perplexidade, na opinião pública, diante de oscilações de entendimento e guinadas de orientação verificadas na Suprema Corte brasileira, em torno de questões jurídicas relevantes.

O ponto crucial do problema situa-se nos processos originários da chamada operação Lava Jato, que motivara condenações de autoridades e políticos, inclusive de um ex-presidente da República. De repente, quatro anos decorridos desde a primeira sentença condenatória, os processos começaram a vir abaixo, tal qual um castelo de cartas que se desfizesse, ao sopro do vento. Questões processuais, envolvendo a competência da Justiça a que caberia julgar os processos e nulidades decorrentes da alegada suspeição do juiz dos casos, assim como de restrições ao direito de defesa, foram as causas determinantes de todo o imbróglio.

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A circunstância de os crimes mais graves estarem relacionados a campanhas eleitorais levou a nossa mais alta Corte a entender que caberia à Justiça Eleitoral julgá-los, sem considerar se essa estaria ou não aparelhada para tanto, razão por que alguns processos que já haviam passado pelas duas instâncias ordinárias retornaram ao ponto de partida. Por outro lado, no caso do ex-presidente, como o juiz que o condenara veio a assumir, depois, posições contrárias à sua linha política, como ministro da Justiça de um governo que lhe era antagônico, isso fez com que o Supremo encontrasse, aí, retroativamente, uma causa de suspeição do magistrado. Além do mais, descobriu-se, por meio de intervenções clandestinas de hackers, que o mesmo juiz trocara mensagens inconvenientes com um dos procuradores responsáveis pela acusação, as quais revelariam um conluio no sentido de conduzir o processo para um desfecho desfavorável ao réu, e, embora a prova desses diálogos houvesse sido obtida de forma ilícita, achou-se, aí, um fator de quebra da imparcialidade do julgador, vindo a suspeição a ser reconhecida num habeas corpus. Por fim, como, em alguns processos, houve acusados que optaram pela chamada delação premiada, entendeu-se que os demais só poderiam apresentar suas razões finais de defesa depois deles, ainda que não existisse norma processual que estabelecesse essa exigência ou que os interessados houvessem requerido que assim se procedesse, oportunamente.

Para avaliar tais decisões, impõe-se considerar algumas premissas: a) a competência dos juízes e dos tribunais é definida com vistas a distribuir racionalmente o poder jurisdicional ou de modo que a Justiça possa atuar com eficiência; b) a suspeição de um juiz não se decreta com base em ilações, mas à luz de regras rigorosas, de interpretação estrita, que a lei processual prescreve; c) o juiz não pode ser dado como suspeito sem ser ouvido, razão por que, no incidente processual de suspeição, ele é parte; d) não há nulidade sem a ocorrência de prejuízo para a defesa ou a apuração da verdade, o que os franceses exprimem numa fórmula que se tornou clássica – pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo).

Princípios jurídicos à parte, teria razão o escrivão Coimbra, de Machado de Assis, quando via a Justiça oscilar, “por diversos e contrários caminhos, ora à direita, ora à esquerda”?

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