A judicialização da medicina


Por José Marcos R. da Fonseca Oficial de Justiça

30/11/2017 às 06h30

Convido o leitor a fazer um exercício de simulação: imagine-se médico em um movimentado hospital! No momento do seu plantão, chegam dois pacientes com problemas traumáticos. O primeiro, um idoso em estado terminal com poucas chances de recuperação. O segundo, um jovem também em estado grave, mas com boas perspectivas se lhe forem dadas as condições hospitalares de recuperação. No entanto, naquele momento, o referido hospital dispõe de apenas uma vaga na UTI. E o dilema que se impõe diariamente aos milhares de médicos pelos mais remotos cantões do país é o mesmo: a quem devo privilegiar com esta exclusiva vaga?

É a mesma pergunta que faço ao prezado leitor, na condição de médico, naquele momento… Não fosse o idoso um parente muito próximo (talvez nem mesmo assim), a resposta parece óbvia. Mas (sempre tem um mas) a família do idoso, com todo o cuidado que se impõe (e não há demérito nisso), aciona um advogado para obter de forma impositiva uma vaga na UTI. Custe o que custar. A necessidade do idoso é premente, ninguém pode negar, e sua família tem amigos advogados, influência e um pouco mais…
Num processo rápido e intitulado urgente, uma única petição, acompanhada das reais necessidades, é o bastante para o juiz titular ou mesmo o juiz de plantão, sem analisar outras demandas, e ainda sem nenhuma dúvida de que está ali cumprindo seu papel de julgador (e o está), determinar, ou mandar (que é o termo mais adequado nos meios jurídicos), que o hospital encaminhe aquele paciente para a UTI, tenha ou não vaga, até destituindo outros pacientes, sob pena de altíssimas multas diárias e outras mais.

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E o dilema do médico? E o dilema de você, leitor, na condição de médico? Infelizmente, não é um caso isolado. Infelizmente, é o que acontece diariamente com pelo menos três, quatro ou até mais pacientes, diariamente, em Juiz de Fora (o que dirá em todo o país). O magistrado, no seu gabinete de ar-condicionado, decide pela vida. O médico, num ambiente contaminado, pervertendo tudo aquilo que lhe ensinaram nos bancos das faculdades, tem que decidir pela morte. Desnecessário dizer que, no nosso caso específico, ambos os pacientes vão a óbito.

Os ilustres advogados estão cumprindo sua missão de atender um cliente em seu dissabor; o juiz, também dentro do seu ofício impositivo, cumpre com seu encargo; o hospital, como pessoa de direito, cumpre a ordem judicial, e o médico, que devia lutar pela vida, a vê escorrer pelas mãos, sem poder agir.
Infelizmente, não são casos isolados. Essa é uma rotina no nosso Fórum, nos hospitais pela cidade, na nossa sociedade. O que se indaga é: é justo? Deve mesmo o magistrado decidir pelo médico? Deixo aqui essa reflexão!

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