Lincoln, no breve e famoso discurso de Gettysburg, cunhou a expressão que melhor define a democracia: “O governo do povo pelo povo”. O povo é o elemento central do regime democrático. Quando, porém, é usado como massa de manobra para conquistar ou manter o poder, abre espaço ao populismo, que é a contrafação do governo exercido em seu nome.
O populismo não corresponde a um regime político, é, somente, um método de ação de políticos que dão ao povo a ilusão de servi-lo, tendo por objetivo, apenas, a realização de um projeto pessoal. O populista convive mal com as instituições democráticas. Por isso, procura falar diretamente ao povo, passando por cima dos partidos políticos e virando as costas, não raro, aos poderes constituídos. Os adversários são, por ele, vistos como estranhos ao povo a que se dirige, como se dele não fizessem parte. Daí o uso de expressões como “nós e eles” ou o estigma de inimigos do regime lançado contra os que não comungam de sua posição.
Um vezo que caracteriza o populista é o de ignorar os limites da disponibilidade de recursos com que conta o Estado para a realização dos seus fins. O General De Gaulle, nos seus diálogos com André Malraux, por este relatados em livro de memórias, comenta que os políticos detestam o Estado, querendo aludir, naturalmente, àqueles que não se ajustam às chamadas quatro linhas das instituições. É que o Estado funciona segundo determinadas regras que não podem ser rompidas, entre as quais as que presidem ao orçamento, cujas despesas estão condicionadas a fontes de custeio rígidas. Por isso, no Brasil, estabeleceu-se um teto de gastos, a que os líderes populistas têm horror, porque os impede de gastar à vontade.
O político populista apresenta-se como o homem identificado com as aspirações populares. É carismático, fala o que, presumivelmente, o povo quer ouvir, mostra-se simpático e afável, em contraste com os mais reservados ou tidos como elitistas. E, em geral, é condescendente com a corrupção e outras mazelas da política.
Conversando, certa feita, com um professor de outro estado da federação, sobre dois líderes políticos mineiros que marcaram época na política nacional, disse-lhe que quem explicara a razão da maior identificação de um deles com o povo fora Eça de Queirós. Vendo o espanto do meu colega ante tal disparate, cuidei logo de observar que o outro (com quem tinha maior afinidade) nascera exatamente no dia em que o romancista português falecia, isto é, a 16 de agosto de 1900. Mas, para mim, o final de A Ilustre Casa de Ramires permite enquadrar, perfeitamente, os dois políticos a que me referia, de perfis tão diferentes. Na visão ingênua do Padre Soeiro, a bondade é um traço pessoal que, muitas vezes, faz com que um homem de menos virtudes se sobreponha em merecimento, perante o povo, ao outro de feitio mais austero. Aquele é “amorável, generoso, dedicado, serviçal, sempre com uma palavra doce, sempre com um rasgo carinhoso… E por isso todos o amam, e não sei mesmo, Deus me perdoe, se Deus também o não prefere…”. O simplório personagem tem a preocupação de ressalvar que “esta não é propriamente doutrina da Igreja!”. Mas, acrescenta, “anda nas almas; anda já em muitas almas.”. Creio que isso explica o êxito obtido, em nosso país, por tantos políticos populistas ou que, aliados a estes, são capazes de conquistar a simpatia do eleitorado. Falha do regime ou vício da natureza humana? Eis um enigma de difícil interpretação…