As dores da alma e nosso mal do século


Por Mili Alves graduada em Geografia, especializada em Jornalismo Digital e em Educação Ambiental

28/10/2020 às 06h58

Por mais que se tente, ninguém sente (e talvez jamais sentirá) a dor do outro. Conhecidas como “doenças da alma ou psicossomáticas”, a depressão, a ansiedade, o medo, o pânico e a aflição se alojam no corpo, causando as mais diversas manifestações físicas, e tiram a alegria de viver, contaminando todas as áreas da vida de uma pessoa. As sensações que provocam – por mais que produzam sintomas identificáveis por um especialista – beiram o intraduzível. Não é tão simples, elas doem, metaforicamente, lá no fundo da alma.

Essas nossas questões afetivas crescem cada vez mais e serão mais incidentes num futuro programado para ser feliz, sobretudo porque muito se posta sobre empatia e paciência, mas pouco se pratica. Materialistas que somos, amantes das aparências, tendemos a neutralizar o que requer profundidade e sentimento.

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Na literatura, a segunda geração do romantismo na Europa foi classificada como “mal do século” pela presença marcante de sentimentos relacionados à fuga da realidade em grande parte das obras. Características como individualismo, egocentrismo, negativismo, dúvida, desilusão e tédio determinaram a categorização literária do século XIX. Hoje, nossa crise de crenças e valores possivelmente tem sua pauta principal voltada para o que nos tornou dependente de tecnologias. A sensação é de uma constante competição, e a comparação é uma lástima. Como dito por Rousseau, em Contrato Social, o homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentado.

De certa forma, fomos corrompidos pelo processo civilizador, e, enquanto os sentimentos humanos – base da conexão que nos une – não forem valorizados pela sociedade, as doenças da alma dificilmente serão encaradas socialmente com a urgência que se requer. Talvez mais do que posts voltados, em sua maioria, para a autopromoção, devemos de verdade perceber a dor alheia, sem julgamentos, e nos reconhecer na humanidade um do outro. Até positividade pode ser tóxica, e estamos todos vulneráveis, seja para transmiti-la, seja para sermos atingidos por ela. As doenças da alma são curadas, sobretudo, com identificação. Identificação e amor.

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