Planeta insone
A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou há pouco seu relatório anual de panorama para 2021, e o quadro que está desenhado para nosso planeta é muito grave: as previsões apontam para a maior crise humanitária desde o final da 2ª Guerra Mundial. Isso significa que haverá o crescimento da extrema pobreza e até a diminuição da expectativa de vida. A crise humanitária chegará de forma avassaladora a 235 milhões de habitantes do planeta. Sobretudo, em 56 países, dentre os quais está também o nosso Brasil.
A situação da América do Sul, como um todo, é de grande vulnerabilidade social, segundo este panorama, pois, dentre seus 656 milhões de habitantes, 231 milhões estarão em situação de pobreza. Essa onda mortífera que atingirá o mundo vem impulsionada pelas consequências da Covid-19, mas também por conflitos políticos e mudanças climáticas.
Obviamente, as pessoas que já viviam em situação de risco social, ou no limiar dela, serão as mais afetadas. Ou melhor, já estão sendo, devido à alta nos preços dos alimentos, que deverá seguir crescendo.
O Relatório da ONU menciona que, de sua parte, está preparando uma grande operação de ajuda para atender, em parte, a expectativa de 160 milhões de pessoas necessitadas de alimentação e abrigo, já a partir do início de 2021. Dedicará, a princípio, 35 bilhões de dólares para esse socorro, e conta que instituições humanitárias ajudem a cobrir as lacunas, que certamente existirão.
E o Brasil? Como o Governo federal se prepara para lidar com o tsunami da fome que nos atingirá de forma veloz e mortal? Pelo que temos acompanhado até aqui, não se prepara. Ao contrário, extinguirá o parco auxílio emergencial e quer desmontar o nosso maior Programa de Transferência Direta de Renda: o Bolsa Família.
O Bolsa Família, à revelia de sua eficácia comprovada, vem sendo desidratado, e não impulsionado. A demanda reprimida é enorme (consultem os dados dos municípios brasileiros e vejam a diferença entre pessoas em situação de pobreza e número de atendidos no programa). Passamos a importar mais alimentos, a agricultura familiar não é incentivada, nossa economia é uma nau sem rumo. Ou rumo ao apocalipse, se preferirem.
O fato é que encaramos esse caos desde as primeiras horas de 2021, estejamos acreditando nisso ou não. As faturas de um Governo federal despreparado para conduzir nosso país continuarão a chegar, cada vez mais caras e rápidas, inversamente proporcionais à sua inoperância nas políticas públicas, que poderiam nos proteger, minimamente.
Para os que pensam que estarão a salvo, sentados em suas fortunas, eu gostaria de lembrar uma frase do grande Josué de Castro, na década de 1940, em Geografia da Fome: “Metade da população brasileira não dorme porque tem fome; a outra metade não dorme porque tem medo de quem está com fome”.
Não há paz onde há miséria!
Pois é, Josué! Parece que, também, nossa estatística de insones será muito maior em 2021. Aliás, desde já, quem poderá dormir com um barulho desses? As trombetas do apocalipse já estão tocando, e Bolsonaro segue surdo, por conveniência e estupidez.
De outro lado, ficaremos nós, de nosso lugar, inertes? Cordeiros, aguardando a morte chegar? Ou arregaçaremos as mangas, para criar e impulsionar formas de minimizar o impacto dessa onda feroz?
Se vamos ficar acordados, que joguemos “a-corda” para ajudarmos quantos pudermos: apoiando projetos coletivos de economia solidária e ações de combate à fome, criando novas redes de solidariedade. E, também, insistindo que as representações políticas de cada cidade deem robustez às políticas locais de proteção social. Se não nos movimentarmos, aceitaremos morrer: de fome e de covardia.
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