Genivaldo e os policiais


Por Jairo de Almeida Gama, psiquiatra e doutor em Saúde Coletiva pela UERJ; Junie Penna, pesquisador em Direitos Humanos

26/06/2022 às 07h00

No dia 25 de maio de 2022, Genivaldo de J. Santos foi morto durante ação de PRFs. As imagens mostram que os policiais o levaram ao chão, e um deles usou o joelho para imobilizá-lo. Em seguida, já na viatura, foi mantido no interior da cela enquanto se utilizava gás lacrimogêneo naquele pequeno ambiente. Portador de esquizofrenia, estava com sua doença sob controle, estável, em tratamento e com uma rede de apoio familiar, levando uma vida produtiva e afetivamente significativa.

Apenas uma semana antes, em 18 de maio, os PRFs Raimundo B. do N. Filho e Márcio H. A. de Sousa foram mortos por um homem em surto. A. Wagner Q. da Silva era um andarilho; estava na BR-116 em Fortaleza em meio a veículos, gerando riscos a si e aos outros. Ao ser abordado, conseguiu tomar a arma de um dos PRFs e os matou, sendo morto em seguida.

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O dia dessa tragédia é o Dia da Luta Antimanicomial, que marca um processo de transformação da saúde mental no Brasil, com a criação de serviços que oferecem atendimento para casos de transtorno mental. Desde os 90s, o Brasil vem em uma melhora da assistência pública em saúde mental, graças à reforma psiquiátrica, um processo complexo que envolveu profissionais, pacientes e familiares na consolidação de tratamentos respeitosos aos Direitos Humanos.

Genivaldo, que morreu em Sergipe, estava bem e com bom suporte; Wagner, que matou dois PRFs, não. Estava em crise e em situação de rua. Possivelmente possuíam os mesmos diagnósticos, mas seus estados eram opostos. Um estava apoiado; o outro, desamparado.
As mortes de ambos decorrem de falhas de estruturas que o Estado Brasileiro deveria garantir. No caso das mortes de Wagner e dos PRFs, o Estado falhou em ofertar cuidado em saúde mental, objeto do processo de transformação assistencial. Tem havido uma significativa diminuição do investimento em saúde mental no SUS que se refletem nos CAPS, responsáveis por casos como o de Wagner. No caso de Genivaldo, as circunstâncias merecem outra análise.

A lembrança do assassinato de George Floyd, exatos dois anos antes, surge naturalmente. A formação de novos policiais é essencial para a carreira. O policial não pode sair de sua formação com dúvidas sobre seu papel democrático. É inexequível que esta se realize sem que haja reflexões sobre seu papel na democracia, com adesão genuína aos seus valores; é o momento em que estes devem ser positivados e trarão à tona a defesa de direitos coletivos e individuais como elementos norteadores da polícia. Se essas reflexões forem suprimidas, seremos todos (inclusive os policiais), vítimas de um sistema que modifica o significado genuíno da polícia em uma democracia.

Uma instituição que carrega consigo o monopólio da força traz também o ônus dessa prerrogativa; não temos como apartar a sociedade de uma polícia que pertence a ela. É preciso haver reflexões contínuas que desconstruam arquétipos sociais estruturados em preconceitos.
Nessa história de sofrimentos psicológicos, não podemos esquecer que a PRF também possui sua cota. Um exemplo é o número de suicídios, que aumentou 25% na última década e já responde por 10,4% do total de óbitos de PRFs ativos. O que está acontecendo para justificar esse crescimento é também motivo de preocupação. O melhor caminho para a PRF deve ser o resgate da sua origem humanista. Para o bem de todos.

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