O dano de Deltan

“A imprensa não é local de discussão de teses jurídicas ou de defesa de fatos ainda sob o crivo do devido processo legal”


Por Agnelo Sad Júnior, Advogado especialista em Direito Público e em Direito Eleitoral pela PUC/MG; membro do Instituto Sobral Pinto, de Barbacena

24/04/2022 às 07h00

A condenação pelo Superior Tribunal de Justiça do ex-procurador da República Deltan Dallagnol ao pagamento de indenização por danos morais ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela famosa palestra do PowerPoint transcende os danos apurados e quantificados em cerca de R$ 100 mil corrigidos.

O Ministério Público, com sua formatação trazida pela Constituição Federal de 1988, tem como primado a defesa da ordem jurídica, do estado democrático de direito e sobretudo a preservação de direitos e garantias fundamentais. É tutor, entre outros, da preservação da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.

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Sua atuação deve repousar também no princípio da independência funcional, quando seus membros atuam de acordo com suas convicções técnico-jurídicas, sem amarras, todavia, a qualquer aspecto subjetivo que venha desvirtuar o real sentido da instituição. Daí o limite à constitucional independência.

Entretanto a mesma Constituição Federal de 1988 aponta como um dos primados da administração pública o princípio da impessoalidade, traduzido sobretudo na vedação de utilização do Poder Público em prol do interesse do particular, ou do próprio agente público.

O ex-procurador, condenado civilmente por ato ilícito, demonstrou que suas ações, na condução da operação Lava Jato, já estavam direcionadas a um propósito à margem dos princípios norteadores da instituição a que jurou lealdade.

Já ostenta, hoje, a condição de pré-candidato ao Parlamento. Por fazer da carreira institucional trampolim político, honestamente, o valor da condenação é irrisório e beira o mero simbolismo.

Promotor e procurador não devem e não podem ter ou ser holofotes. Nada justifica a extensa e sucessiva exposição nos meios de comunicação, como ocorreu no caso em questão.

O princípio da impessoalidade administrativa não admite o culto à imagem e ao nome do agente público. Fala-se nos autos dos processos. No máximo, explica-se o que já está escrito, pontualmente, sem estardalhaço.

Não se convoca a imprensa, no contexto do órgão ministerial e falando em seu nome, levianamente, para apontar questões processuais ainda pendentes de julgamento.

A imprensa não é local de discussão de teses jurídicas ou de defesa de fatos ainda sob o crivo do devido processo legal.

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Há que se considerar a responsabilidade do membro do Ministério Público pelo peso de suas palavras. São todos formadores de opinião perante a sociedade e dirigem, por consequência, as convicções das pessoas de bem.

O ex-procurador da República Deltan Dallagnol pecou, como alguns de seus pares, que ainda teimam nas práticas midiáticas, fazendo enfraquecer os alicerces ministeriais, tão necessários e caros à sociedade, em especial nos difíceis dias atuais.

Quando se restabelece na grande mídia como verdadeiro mártir um ex-presidente praticamente alijado do processo eleitoral, cujos abusos processuais sofridos o inocentam aos olhos dos menos atentos, apesar de todos os malefícios perpetrados na Presidência, faz-se configurar, na verdade, o verdadeiro dano de Deltan.

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