Brasil, mostra tua cara

“Será que em algum momento fomos esse país que olha para as diversidades e as acolhe?”


Por Mili Alves, graduada em Geografia, especializada em Jornalismo Digital e em Educação Ambiental

23/09/2021 às 07h00

Provavelmente você já leu algum texto da internet em que supostamente um gringo fala sobre suas boas impressões do Brasil e do brasileiro. Não que sejam relatos totalmente errados, pois, embora o texto circule na internet há tanto tempo, mesmo agora em 2021 é possível reconhecer gentileza e generosidade em uns de nós. Mas vamos aos fatos.

O povo brasileiro tem, na sua identidade, três matrizes principais: indígena, africana e branco/europeia. Trazemos essa marca na história do país que pertencia aos índios, foi colonizado pelos portugueses e sobreviveu por muitos anos de mão de obra escrava. Atualmente, segundo o IBGE de 2019, mais da metade (56,10%) da população brasileira é constituída de negros e pardos. Claramente essas características também são encontradas na cultura, nos hábitos e nas religiões do brasileiro. Entretanto, na história oficial do Brasil somos caracterizados como uma população branca, católica e de língua portuguesa.

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Também é importante lembrar que, embora a população negra seja predominante no Brasil, uma minoria alcança cargos de poder, acesso a curso superior e oportunidades ou privilégios. E não é difícil constatar que isso é herança histórica de um país que aboliu a escravidão há pouco mais de cem anos e o fez de forma que não amparava as pessoas que recuperavam sua liberdade, intensificando não apenas questões sociais como as do racismo estrutural que vivenciamos até hoje.

Vivemos um determinismo biológico, em que algumas raças se consideram superiores a outras e prosperam suas características etnocêntricas e conservadoras. Mesmo sendo apenas uma ramificação da nossa identidade, temos a predominância de cultura da nossa matriz branca europeia. A democracia racial na sociedade brasileira é um mito.

Mais profundamente e além das questões raciais, lembramos que, em 2020, pelo 12º ano consecutivo, o Brasil foi eleito o país que mais mata transexuais no mundo; segundo pesquisas do IBGE de 2019, um homem ganha 38% a mais que uma mulher na mesma função para cargos de chefia ou com curso superior. Questões que também são heranças históricas patriarcais, religiosas, branca europeia e de simbologias como a do casamento, por exemplo, em que o pai leva sua filha até o altar para entregá-la a outro homem que irá provê-la a partir dali.

Racionalmente falando, sabemos que ao Estado caberiam políticas públicas e de acesso; à sociedade, posicionar-se. No entanto, se tratando do brasileiro sem máscara, isso é um sonho ainda distante. Não somos amistosos nem tolerantes. E essa falsa imagem contribui para a perpetuação do pré-conceito, do racismo e da discriminação. Será que em algum momento fomos esse país que olha para as diversidades e as acolhe? Ou como já dizia uma canção por aí “somos uns boçais”.

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