A reforma tributária que queremos e a que podemos
Daniel Giotti de Paula, Procurador da Fazenda Nacional, professor, doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ
Desde o 1º mandato de Fernando Henrique Cardoso, todos os presidentes da República tentaram emplacar alguma reforma tributária. Todos falharam, porque nos perdemos entre a reforma tributária que queremos e aquela que podemos.
O Sistema Tributário Nacional, além de complexo e caótico, já nasceu velho, sobretudo na tributação sobre o consumo. Quando o Brasil optou pelo ICMS, o mundo abraçava um tributo sobre valor agregado, o IVA: não cumulativo, neutro e transparente. O Governo federal, no dia 21 de julho, encaminhou o Projeto de Lei (PL) n. 3.887, a 1ª parte da Reforma Tributário. Tenta-se unificar o PIS e a COFINS em torno de um novo tributo, intitulado Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”).
Há que se entender que não se trata da unificação de todos os tributos sobre o consumo, pois subsistem o IPI, o ICMS e o ISS. É a reforma possível de ser feita por uma lei ordinária, sem mexer em competências dos Eetados e dos Municípios.
Isso não a faz menos importante. PIS e COFINS são jabuticadas – o termo que consagramos para coisas brasileiras -, mas frutas tão azedas e podres, que, mesmo a melhor cozinheira, não consegue fazer boa geleia delas. PIS e COFINS são os tributos mais complexos que existem no mundo, segundo vários tributaristas estrangeiros.
A não cumulatividade desses dois tributos se daria por uma sistemática de creditamentos, mas a legislação não esclarece quais insumos a retirar da base de cálculo. Por exemplo, o álcool-gel utilizado nos setores de indústria ou em locais de prestação de serviços, como medida de segurança sanitária pós-pandemia, pode ser descontado do tributo a pagar? É algo aproveitado totalmente no processo produtivo.
Marcos Lisboa, economista do INSPER, brinca que, no Brasil, existe uma regra para tributar o chocolate, outra para tributar barra de cereal, e o Judiciário tem que resolver como tributar barra de cereal com chocolate.
O PL tenta criar um tributo realmente não cumulativo e menos complexo. Ademais, aponta-se para redução do número de obrigações acessórias e se estabelece fonte de arrecadação pela responsabilidade de plataformas digitais (os marketplaces) pelo recolhimento das pessoas jurídicas desobrigadas de emitir documento fiscal eletrônico.
No dia 5 de agosto, a Comissão Mista de Reforma Tributária do Congresso Nacional ouviu o ministro Paulo Guedes e se fez ser ouvida. Ela disse não a uma nova “CPMF”, ou que pelo menos transações até R$ 5 mil sejam isentas. Disse não ao aumento da tributação global: para isso, Guedes também disse sim.
A comissão disse sim à desoneração da folha, mas sem dizer de onde se retirará fonte de recursos para cobri-la. Também disse sim à atualização da correção da tabela de imposto de renda e, quem sabe, em até se reduzi-lo em face das pessoas físicas.
Ainda disse sim à tributação sobre dividendos e lucros, com o que o ministro concordou com uma provocação do deputado Marcelo Freixo. Liberais e socialistas mostrando como há questões que não precisam de ideologia barata.
Se o Congresso Nacional for de fato reformista, é hora de voltar a atenção para a reforma tributária. Não será fácil, nem uma travessia leve. União, estados e municípios não querem perder receita, ricos não querem pagar mais tributos, vulneráveis precisam mais ainda de auxílios sociais, empresas poluentes devem perder seus benefícios fiscais.
Entretanto não podemos mais dizer não à reforma tributária, mesmo sendo difícil congregar tantos interesses e ainda que seja ela apenas a possível neste momento.
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