É preciso medir as palavras

“Se o mundo inteiro sentiu os reflexos negativos dessa pandemia, imagina o que está por vir em um cenário de subfinancia-mento? O que podemos esperar?”


Por Hugo Borges, presidente da Unimed Juiz de Fora

23/05/2020 às 06h58

Há séculos, a saúde, a segurança e a educação – não necessariamente nesta ordem – são o sonho da sociedade brasileira; direitos constitucionais, que, mesmo apontados recorrentemente como prioridade pela população, permanecem relegados ao último plano. Na saúde, em especial, uma fragilidade tristemente eviscerada pela pandemia do novo coronavírus.

Subfinanciado e não orçamentado adequadamente desde que foi criado, o nosso “Sistema Único de Saúde” é, na verdade, fracionado em três segmentos distintos: o chamado SUS, com atendimento universal e cobertura integral; a Saúde Suplementar, sob a gestão das operadoras de saúde e seguradoras privadas; e, o outro, que corresponde ao desembolso direto pelo cidadão. Entretanto esse conjunto não tem sido suficiente. É um modelo precário e ineficiente, ainda muito aquém das necessidades do financiamento da saúde brasileira.

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Além da desproporção entre o gasto público e privado na saúde, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evidenciam a vulnerabilidade do sistema público, responsável pela assistência a 150 milhões de pessoas em contraposição com a saúde privada, com 47 milhões de beneficiários. Do total de R$ 608 bilhões (9,2% do PIB) de despesas com saúde em 2017, R$ 354,6 bilhões (5,4% do PIB) foram gastos de consumo das famílias e instituições sem fins lucrativos de atendimento à população, enquanto R$ 253,7 bilhões (3,9%) do Governo.

Como diz o ditado, não há nada tão ruim que não possa piorar. E piorou com essa pandemia que estamos vivenciando. Mas tentar culpabilizar médicos e profissionais da saúde por uma fragilidade inerente ao sistema é uma insanidade, que o ministro da Economia acabou cometendo ao dizer, primeiro, que só se entregam medalhas após a guerra e, segundo, ao questionar o uso de cadáveres para fazer palanque. É preciso medir as palavras.

Estamos sim – e com toda razão – indignados pelas mais de 16 mil vidas perdidas para a Covid-19 em 60 dias. Mas os médicos e os profissionais de saúde no front contra o novo coronavírus, pelo contrário, merecem e estão sendo reconhecidos no mundo inteiro pela bravura, coragem, competência, briosa dedicação e renúncia. É um sacrifício muito grande para se engolir um pronunciamento tão agressivo de um ministro de Estado.

Se o mundo inteiro sentiu os reflexos negativos dessa pandemia, imagina o que está por vir em um cenário de subfinanciamento? O que podemos esperar? Insisto que as condições aqui são mais desfavoráveis que em outros países, porque o sistema de saúde brasileiro tem dificuldades seculares de orçamentação e, em muitos locais, também de gerenciamento. Precisamos preencher lacunas profundas e superar barreiras aparentemente intransponíveis para mudar esse cenário. Só assim poderemos assegurar excelência na oferta e estrutura de serviços públicos de saúde, vencer o novo inimigo comum – o coronavírus – e afastar a ameaça de colapso que nos persegue.

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