Eis o homem: Mister Moore!

Corria o mês de dezembro de 1940. Uma cidade se preparava para comemorar o Natal. Não uma “cidadezinha qualquer”: é Juiz de Fora!


Por João B. Barbosa Júnior, Granberyense

20/12/2020 às 07h00

A algumas almas isso parecerá algo impensável, mas cumpre lembrar que nossa cidade se orgulhava de ter, então, um dos maiores parques industriais do país, além de também ser um dos núcleos mais dinâmicos e fecundos da cultura e do comércio de Minas Gerais.

Foi quando Juiz de Fora enfrentou a sua maior calamidade: a intensidade incomum das chuvas daquele ano e a pouca vazão do Paraibuna causaram uma inundação sem precedentes. Dir-se-á que o rio desejou “estrangular em seus líquidos anéis a cidade em pânico”….

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Principalmente na parte mais baixa da cidade, a fúria das águas foi avassaladora: paralisou fábricas e danificou máquinas; invadiu armazéns e lojas, cujos estoques de Natal foram totalmente perdidos. Hotéis, bares, restaurantes e outros estabelecimentos também foram atingidos pela inundação.

O momento mais dramático ocorreu na madrugada do dia 24 de dezembro. Foi quando as chuvas mais se intensificaram. Rápido, rapidíssimo, as águas atingiram a impressionante marca dos dois metros. Daí não tardou para que chegassem à Galeria Pio X, logo tocando as escadarias do Theatro Central!

Às pressas e em pânico, milhares de pessoas saíram das suas moradias, tendo que deixar tudo para trás – móveis, alimentos, roupas, utensílios domésticos e outros bens. E isso para não morrerem afogadas ou soterradas. Pelos registros oficiais, centenas de casas ficaram completamente submersas, além de dezenas de outras que desabaram, não resistindo à força das águas. E 6.800 pessoas ficaram desabrigadas!

Dentro do possível, as vítimas foram acolhidas em escolas, igrejas e quartéis. O Poder Público e a sociedade, de modo geral, se mobilizaram para ajudar com abrigo, roupas e alimentação.

Em meio à perplexidade, alguém pergunta: e as “mulheres da zona, quem vai socorrê-las?”. O fato é que as prostitutas também ficaram desabrigadas, pois as casas onde moravam e trabalhavam – na parte baixa da cidade! – foram totalmente invadidas pelas águas.

Pelos padrões de moralidade então vigentes, a condição de prostitutas tornava mais desesperadora a situação. Desabrigadas pela inundação e acossadas pelo estigma, ei-las sozinhas e desamparadas naquele momento.

Informado do fato, e por isso mesmo inconformado, eis que um homem tomou a iniciativa de ajudar as mulheres. Naquela véspera de Natal, saiu de casa e, acompanhado de uns poucos voluntários, prosseguiu firme no seu propósito. Fê-lo, na contramão do moralismo e do preconceito. Fê-lo, em paz com Deus e consigo!

Resoluto, valeu-se de canoas para ir até onde elas estavam; elas, as “mulheres da zona”! Estendeu-lhes as mãos, socorreu-as e abrigou-as nas dependências do colégio do qual era reitor e que se tornara, já de há muito, “o prolongamento do seu lar”, no registro tão abalizado quanto apaixonado de Moacyr Borges de Mattos.

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Ali, no Colégio Granbery, elas acharam abrigo, receberam roupas e alimentação. Ouviram ali palavras de respeito e de consideração. Também ali encontraram, principalmente, o abrigo e o alimento da Palavra, ministrada pelo homem que as socorrera: Walter Harvey Moore.

Oitenta anos são passados! O que certamente não passa, nem passará, é o gesto estupendo do homem, Mister Moore, que transborda da sua época e, à maneira de uma torrente, avança tempo afora e chega aos dias de hoje, inundando o nosso espírito de reverência, de espanto e de comovida admiração!

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