À espera dos bárbaros


Por José Ricardo Junqueira (Zeca Junqueira), jornalista, ex-secretário de Cultura e Turismo de Cataguases

20/10/2021 às 07h00

“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar para fora, não, matando! Se vão morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.” (Declaração do então deputado federal Jair Bolsonaro no programa Câmera Aberta, da emissora Band, em 1999).

De fato, tudo leva a crer que há uma mudança em andamento no país, mas que não faz eco às aspirações golpistas de Bolsonaro. A ordem nasce do caos, ou, como disse Pablo Picasso, todo ato de criação é antes de tudo um ato de destruição, e o Brasil, caótico como está, parece caminhar nesse sentido. Talvez o atual governo seja metáfora de uma invasão bárbara, remédio amargo que o país precisa tomar para reagir.
Há discordâncias políticas por todos os lados, revelando um profundo mal-estar na sociedade. Nossa democracia está sendo posta à prova. Quase 20 milhões de brasileiros não estão comendo nem osso, e mais da metade da população encontra-se em insegurança alimentar. Educar o povo ou deixa-lo passar fome pode levar a uma revolução num país – e aqui o presidente diz que “tem que todo mundo comprar fuzil, pô”.

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Sua pulsão de morte, os surtos antidemocráticos de Jair Bolsonaro, que acabaram colocando-o contra a parede, como no patético sete de setembro, em que bradou para cerca de 130 mil pessoas em São Paulo que não mais cumpriria determinações do STF e depois recuou, intimidado, são exemplares. Nesse disse-não-disse, até seus seguidores mais fiéis vão sentindo a distopia promovida no país pelo presidente e por sua trupe, pois nossa consciência é formada por contrastes.

Em seu poema “À espera dos bárbaros”, Konstantinos Kaváfis mostra que o mal é a forja do bem, que a barbárie, num aparente paradoxo, é positiva, pois impulsiona para frente, quebra estruturas arcaicas, sacode, obriga a revisão de valores e acorda o orgulho cívico e a resistência adormecidos na alma do povo. Não seria essa a nossa situação atual?

Na pólis, todos esperam inquietos a chegada dos brutos. Os senadores não mais legislam, o imperador aguarda solícito no trono, os cônsules e os pretores usam togas de púrpura e joias cintilantes para impressionar, os oradores cessam seus discursos. Mas cai a noite, e os bárbaros não chegam. E agora?! Como o povo reage? Dizem as três últimas estrofes do poema:

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa desapontados?
Porque já é noite, os bárbaros não vêm,
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?

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