Cultura versus Leviatã?
“Que libertem a cultura e, sim, vigiem os intolerantes e os odiosos!”
Consternação! Foi o sentimento que emanou ao ler no jornal Tribuna de Minas que alguns projetos artísticos patrocinados pelo Programa Cultural Murilo Mendes foram suspensos. A titular da Funalfa alegou que “… o serviço de inteligência da Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania vai continuar apurando a situação para averiguar quando e como seria seguro acontecer as intervenções…”. Decerto, uma escolha que objetivou a segurança e a integridade de pessoas, mas será a solução sensata se considerarmos um espectro mais amplo de consequências?
Para versar sobre essa inquietude, vou “convidar” o matemático e filósofo inglês do século XVII Thomas Hobbes. Em apertada síntese, o pensamento de Hobbes explora os efeitos das liberdades individuais para o estabelecimento de uma lida social. Partiu do racional de que, se todos exercessem, ao extremo, as volições de liberdade individual, estaríamos em franca guerra. Para evitar essa situação, a sociedade estabelece pactos que, em última análise, significam limites às liberdades individuais em prol de um equilíbrio coletivo. Contudo Hobbes avança: de nada valerá esse pacto se algum(s) membro(s) o desonrar, pois voltaremos à condição de guerra entre os indivíduos. Por isso, é necessário constituir um poder coercitivo maior que os indivíduos para punir aqueles que eventualmente descumprem o pacto. Foi o que chamou de Leviatã – ser bíblico mitológico poderoso, destruidor de embarcações e dos tripulantes – que seria a legitimação da existência do Estado. Contemporaneamente, o nosso Leviatã não é mais um rei ou imperador despótico como na época de Hobbes, mas o fruto do Estado Democrático de Direito positivado na Constituição da República Federativa do Brasil. Os operadores constitucionalmente legitimados para a função de segurança pública são as polícias federais, estaduais e as guardas municipais.
Ora, se a suspensão dos projetos foi publicamente justificada pelas ameaças, restou bem sucedido o ataque dos intolerantes e odiosos. Ou seja, é só manter as armas em punho pelo bombardeio agressivo nas redes sociais para acossar e amordaçar expressões artísticas e culturais no Estado Democrático de Direito. Com a devida vênia, não é momento recuar da força odiosa que tomou o mundo em passado recente. Essa massa paulatinamente vem perdendo sua energia, pois estava ao arrepio da boa-fé e da verdade… deixando somente mitos e hipocrisia. Contudo ela pode recrudescer novamente, pois se alimenta do medo e da obscuridade.
Que libertem a cultura e, sim, vigiem os intolerantes e os odiosos! Se necessário, que os recolham em custódia do Estado em prol da segurança da sociedade, observando o devido processo legal que está na mesma Constituição que oferece a liberdade de expressão. Liberdade com responsabilidade e, assim, que vamos avançar como indivíduos em sociedade.