Paulo Freire: esperança para educação

“Lembrar Paulo Freire alimenta a esperança do verbo esperançar. Por isso, talvez, incomode tanto alguns”


Por Luís Fernando Lopes, Mestre e doutor em Educação, professor da Área de Humanidades do Centro Universitário Internacional UNINTER

19/10/2021 às 07h00

Dias atrás, navegando pela internet, deparei-me com centenas de vídeos sobre o educador Paulo Freire. Alguns buscando explicar suas obras, comentando seu pensamento, outros criticando, atacando, enfim deixando nítida a intenção de rebaixar o educador, o seu pensamento, assim como aqueles que estudam sua obra.

Aparentemente, parece fácil falar de um falecido, ainda que eternizado. Seja para elogiar ou criticar. Em um caso ou no outro, o elogiado ou criticado não poderá se manifestar. Alguns podem até considerar isso covardia. Por isso, ainda que ironicamente, até recomenda-se aos que se encontram muito irritados ir ao cemitério e descarregar sua raiva sobre os túmulos. Assim muitos conflitos e problemas poderão ser evitados. Mas, por alguma razão ou razões, Paulo Freire incomoda, desperta interesse, admiração, raiva, entre outras reações.

PUBLICIDADE

Como eu estava pesquisando vídeos, busquei alguns em que o próprio Paulo Freire se expressava. Encontrei uma entrevista na qual um entrevistador recolheu opiniões de rua, atendeu ligações, e os participantes no auditório fizeram questionamentos. Um dos questionamentos recebidos por telefone indagava se Paulo Freire se considerava um educador comunista, e o entrevistador acrescentou: por que o senhor acha que perguntas como essa acontecem?

Respeitosamente Paulo Freire respondeu. Inicialmente, valorizou e defendeu o direito de questionar. Considerando a pergunta absolutamente legítima. Recordou que por causa desse direito de perguntar é que foi exilado. Em seguida explicou que não era anticomunista no sentido medieval e afirmou claramente que também não era comunista, mas socialista, e que acreditava na participação popular na transformação do mundo. Paulo Freire também foi indagado sobre o exílio e a ditatura, formação de professores, entre outros questionamentos.

Em uma das respostas comentou sobre o autoritarismo do regime militar que o considerou perigoso subversivo e até inimigo de Deus. Chegou a comentar esse último acréscimo, deixando claro que se tratava de uma invenção mentirosa. Em seguida argumentou que a ditadura não inaugurou o autoritarismo em nosso país, pois o Brasil foi inventado no autoritarismo, de forma que ele se encontra entranhado na natureza mesma da nossa sociedade.

Os últimos acontecimentos de arrogância, desrespeito, ódio de classe que temos testemunhado, envolvendo inclusive quem é responsável por garantir que as leis sejam respeitadas, infelizmente, parecem ser apenas mais um dos elementos que confirmam o que Paulo Freire afirmou na ocasião da entrevista citada anteriormente.

Talvez por isso Paulo Freire incomode tanto e ainda mais na comemoração do seu centenário. Afinal defendeu o direito de todos à educação, entre outros. E não apenas defendeu no campo das ideias, publicando obras com pensamentos complexos, passíveis de crítica, mas empenhou-se na prática e trouxe resultados, que certamente não agradaram e não agradam aqueles que se julgam superiores, ainda que a manutenção dessa suposta superioridade custe a negação de direitos fundamentais aos outros, principalmente os mais pobres.

Paulo Freire tem sido criticado e certamente valorizaria muito essas críticas. Mas seu pensamento também tem sido mentirosamente desqualificado por alguns, que sequer leram seus livros. O fato é que Paulo Freire continua sendo lido, estudado, recordado, praticado pelo que foi, por suas ideias, por aquilo que fez e produziu. Lembrar Paulo Freire alimenta a esperança do verbo esperançar. Por isso, talvez, incomode tanto alguns.

O conteúdo continua após o anúncio

Esse espaço é para a livre circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail (leitores@tribunademinas.com.br) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.