Privacidade é prioridade para a PJF?
“O controle dos fluxos informa-cionais é reconhecido como a maior questão a ser resolvida em nosso tempo, relacionando-se diretamente à distribuição e ao exercício do poder.”
Ainda no mês de abril, a Tribuna de Minas informou acerca do interesse da Prefeitura de Juiz de Fora em aderir ao programa oferecido pelas operadoras de telefonia celular, por meio do Sinditelebrasil, para o acesso a dados que permitem identificar movimentação de pessoas com o fim de orientar as ações de contenção da pandemia da Covid-19. Poucos dias após o anúncio, o Prefeito Antônio Almas deixou de lado a ideia, por preocupação com a possibilidade de violação a direitos constitucionais e fundamentais dos cidadãos.
A preocupação é legítima e sobretudo diante do atual cenário de incertezas com relação à vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e à inexistência da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que poderia balizar as atividades de tratamento de dados pessoais para contenção da pandemia, a exemplo do que vem ocorrendo em países como Itália e Inglaterra, a decisão por se abster de utilizar a ferramenta oferecida pelas operadoras de telefonia é acertada. O controle dos fluxos informacionais é reconhecido como a maior questão a ser resolvida em nosso tempo, relacionando-se diretamente à distribuição e ao exercício do poder.
A PJF poderia estender a preocupação com violações a direitos fundamentais pelo uso indevido de dados aos aplicativos para smartphones e outros serviços digitais que oferece aos munícipes. O aplicativo CittaMobi, por exemplo, por meio do qual “é possível acompanhar os horários dos ônibus e não perder mais tempo esperando no ponto”, apresenta política de privacidade claramente destoante das práticas consideradas adequadas e em discordância com a LGPD, o que é especialmente problemático ao se considerar que o aplicativo desempenha uma função pública relevante a partir de convênio com o Poder Público.
Conforme a sua política de privacidade, a CittaMobi compartilha dados pessoais, inclusive “informações precisas de geolocalização” e “análises comportamentais” com ao menos cinco empresas, com a finalidade de exibir publicidade aos usuários (inclusive fora do aplicativo CittaMobi), realizar pesquisas de mercado, entre outras. Algumas dessas empresas, por sua vez, informam sobre a possibilidade de transmitir esses dados a terceiros, que não são sequer identificados, e para finalidades não especificadas. Caso o usuário não deseje que seja realizada a coleta e o compartilhamento de dados com determinado parceiro, é preciso realizar procedimentos de opt-out, ou seja, não se observa a privacidade por design e por padrão, mas antes se impõe uma atitude pró-ativa do usuário para que este evite lesão aos seus direitos fundamentais. Uma das empresas com as quais a CittaMobi informa o compartilhamento de dados pessoais sequer possui política de privacidade em português.
Esses são apenas alguns dos pontos problemáticos que se podem encontrar na política de privacidade do CittaMobi. Há outros que geram preocupação, além de outros serviços digitais contratados pela PJF em que proteção de dados pessoais ainda não parece ser uma preocupação. Este breve artigo não tem o condão de abarcar extensivamente as violações ao direito fundamental à proteção de dados pessoais decorrentes desses serviços, mas, sim, o de chamar a atenção dos cidadãos e gestores para esse grave problema.
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