Manhã de Outono


Por Leandro Cruz, neurologista professor na FCMS/Suprema

16/06/2020 às 06h58

Passou-se ao fim de uma manhã ensolarada de outono. No fiapo de céu que se conseguia ver através da moldura formada pelos terraços dos prédios daquela rua estreita, estalava um azul anil. Tão lindamente azul, que borrava a feiura das construções sem preocupações arquitetônicas.
As janelas estavam abertas a fim de sorver uma fresca que soprava de forma inconstante, dando um agrado na pele em pulsos de curta duração. O intervalo nos abanos aquecia o corpo até que ele desejasse novo sopro de alívio, como num vício por tabaco, que traz alívio em tragos. Já o vento contínuo deixa a pele acostumada, não guarda o mesmo bem-estar daquele que se mostra nas intermitências. Pelo contrário, a constância do sopro cansa quem já está refrescado. Não fosse a beleza do céu e o vento, seria um instante que não se prestaria a nada.

Sem pedir licença, um zunido de helicóptero trouxe uma inquietude, adentrando na viela e nos apartamentos que buscavam a brisa. O barulho atraiu duas vizinhas para suas respectivas janelas. Ambas tinham o cabelo grisalho e, como numa coreografia mal ensaiada, apoiaram os cotovelos ao se esgueirarem para ver o emissor do ruído. Dado o estreitamento de céu disponível, só lhes sobravam o sonido do voo e a curiosidade.

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Mesmo sem vê-lo inicialmente, quando o som emitido era mais alto e anunciava a proximidade do objeto voador, uma das moradoras passou a acenar para cima. Talvez ela tenha se lembrado de sua infância, quando seu pai lhe ensinou, agachado ao lado e abraçando-a pelo ombro, a dar adeus na passagem de algo admirável. Não se importando com a impossibilidade de o piloto notá-la em meio ao mar de torres de cimento, na outra volta, ela balançou sua cortina estampada pela janela e abriu um sorriso largo ao vê-lo por um segundo.

A outra senhora apoiou o queixo em uma das mãos e, indiferente nas expressões, permaneceu com os olhos parados no céu. Pode ser que esperasse mais uma passagem do helicóptero e tenha pensado nas explicações que um dia recebeu, recheadas de paciência e afeto, acerca deste esboço de libélula que a humanidade criou. Chorou.

O som do voo foi diminuindo… sumiu. Elas permaneceram com os olhos no céu, além do azul anil, viam a saudade. Depois de um certo prazo de pensamentos sem o barulho, o vento fresco na pele as acordou e os olhos de ambas se voltaram para o chão, como num desembarque dos sonhos. A que sorriu virou-se antes e levou aquele lampejo de felicidade para dentro de casa. Em seguida, a outra enxugou as lágrimas e foi reencontrar sua manhã de outono.

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