Nossos solos também estão queimando!


Por Geraldo César Rocha, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora

14/10/2020 às 06h58

Os incêndios florestais que têm ocorrido maciçamente na Amazônia e no Pantanal, assim como na região de Ibitipoca nessa época seca, têm impactado severamente a biodiversidade dessas áreas, causando perplexidade e indignação com a destruição ambiental muitas vezes irreversível desses complexos sistemas.

A queima incontrolável e destrutiva da vegetação, associada à morte generalizada de espécies animais indefesas, tem nos deixado consternados e com sensação de impotência frente a esses eventos de incalculável prejuízo ambiental, social e econômico. Destaca-se aqui que não estamos falando de queimadas controladas, prática muito usada no país para manejo da vegetação e plantio.

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A espetacular grandeza destrutiva desses incêndios em nossas florestas pode mascarar seus efeitos simultâneos em um dos componentes mais importantes, talvez o mais importante do sistema ambiental, o solo, o qual é o substrato para a flora e a fauna. Sabemos que o solo é uma fina e delicada camada que recobre as rochas do planeta, formada por componentes minerais e orgânicos, resultante de um processo evolutivo de milhares de anos. Nesse ambiente encontra-se em equilíbrio uma rica e ainda pouco conhecida biodiversidade, associada a materiais abióticos minerais e hídricos, todos responsáveis pela prestação de inestimáveis serviços ambientais ao homem e à própria natureza.

O papel do solo na regulagem do ciclo hidrológico mostra-se também de grande importância ambiental. E, nos últimos anos, pesquisas têm mostrado o importante papel do solo como aprisionador de gases causadores do efeito estufa, sendo assim também um protetor diante das mudanças climáticas. Podemos então dizer que o solo é um forjador, assim como um mantenedor, da vida em nosso planeta.

Sabe-se que os efeitos mais destrutivos dos incêndios para os componentes do solo estão diretamente ligados à sua maior intensidade. Em termos físicos, a queima da matéria orgânica do solo tende a fragilizar sua estruturação, já que esse componente orgânico é importante para unir as partículas de areia, silte e argila na forma de agregados; essa instabilização estrutural leva à redução da porosidade e da permeabilidade do solo, dificultando seus mecanismos de drenagem da água. Quimicamente, o fogo intenso tende a reduzir a capacidade do solo de reter nutrientes, levando à perda de nitrogênio, fósforo, cálcio e enxofre através de uma combinação de processos como oxidação, lixiviação e volatilização. Em termos biológicos acontece a esterilização direta dos organismos e raízes das camadas superficiais do solo, além do efeito no banco de sementes, o qual perde sua capacidade de germinação após o fogo.

E os problemas não param por aí. Além do impacto direto durante o incêndio, outras consequências são observadas após a sua ocorrência: a remoção da vegetação vai expor o solo aos problemas da erosão, que vai carrear componentes nutricionais presentes nas cinzas e no próprio solo, os quais serão levados pela água e pelo vento. Como se não bastasse tanto prejuízo, pesquisas têm mostrado que os incêndios produzem HAPs (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos), componentes orgânicos persistentes no ambiente e que apresentam propriedades cancerígenas.
Essas são informações científicas, identificadas e quantificadas em campo e nos laboratórios, fatos que nos mobilizam para conscientização e ações imediatas de controle ou atenuação desses eventos, em contraste com posições estranhas de pessoas que não acreditam na ciência e têm contribuído para nos aproximarmos do colapso ambiental.

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