A fome e nós
Estima-se que agora, enquanto você lê esse artigo, 19 milhões de brasileiros estejam passando fome. Diante disso, não podemos fazer de conta que está tudo bem e ficar em paz. Como dizia o bispo Pedro Casaldáliga, “tudo é relativo. Absoluto, só Deus… e a fome”. Ela tem que nos incomodar.
Sendo uma população que se identifica como cristã – em diferentes confissões e igrejas -, deveríamos nos envergonhar diante dos números agora divulgados. Em 2014, o Mapa da Fome do Mundo, preparado pela ONU, deixou de incluir o Brasil porque mais de 97,5% de sua população vivia em situação de segurança alimentar. A crise econômica e política dos anos seguintes, porém, fez reverter essa conquista: em 2018 o número de pessoas com fome era estimado em dez milhões, e agora, sob efeito da pandemia, ele praticamente dobrou.
Para gente de classe média, a fome é algo assustador, mas distante. Quem tem a geladeira e a despensa abastecidas não sabe sequer o que é a angústia de pensar como será o dia seguinte, se haverá ou não o que comer. Para não ter que encarar de frente essa realidade, muita gente se fecha no aconchego do lar e trata de pensar noutros assuntos… Afinal, existem organizações do Governo, da sociedade e até da ONU dedicados exclusivamente a resolver esse problema. Se eles não resolvem, quem sou eu para resolver?
Mas aos cristãos é proibido fechar os olhos e os ouvidos diante dessa feia realidade. O critério decisivo para entrarmos no Reino dos Céus não é se proclamamos a glória de Jesus Cristo, mas se O reconhecemos nas pessoas necessitadas: “Eu estava com fome e me destes de comer” (Mateus 25, 35).
Ao longo da história, essa interpelação do Evangelho tem provocado inúmeros gestos de partilha e eficientes políticas de combate à fome. No Brasil, foi marcante a figura do mineiro Betinho, que, em 1993, com o apoio do então presidente Itamar Franco, criou a Ação da Cidadania Contra a Fome. Ao formular e implementar políticas de segurança alimentar e nutricional com a efetiva participação de organizações não governamentais – como a CNBB e a Pastoral da Criança -, ela conseguiu reduzir a quase zero a parcela da população brasileira subnutrida. E, apesar de o atual Governo federal ter retirado o apoio previsto pela legislação, a mobilização da sociedade continua firme no combate à fome.
Aqui entra a nossa parte, como discípulos e discípulas de Jesus: abrir os olhos e o coração para o sofrimento do povo. Porque a fome voltou, e voltou com toda força até mesmo à nossa Zona da Mata mineira, onde não faltam terra, nem água, nem braços para produzir alimentos. Como Jesus, que ao ver que a multidão não tinha o que comer “sentiu compaixão dessa gente” (Marcos 8, 2), não podemos ficar inertes diante dessa realidade. Temos que denunciá-la para tirar da zona de conforto quem se identifica com as promessas de Jesus. É hora de colocar-se em saída para partilhar o alimento com quem não tem e lutar para que a terra seja para quem nela trabalha, e não para negócio.
Sabemos de várias iniciativas locais de mobilização contra a fome. Uma delas tem como polo organizador o Sindicato dos Bancários, com colaboração de outros coletivos, que tem atendido as comunidades de Ipiranga, Caiçaras e Monte Castelo.
Para colaborar, não é preciso sequer sair do conforto de nossa casa. Há inúmeras maneiras de ajudar: quem quiser logo encontrará o meio mais conveniente para somar-se a esse grande mutirão.
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