A mediação Kafkiana no Museu Mariano Procópio
“Há uma aparente ironia quando membros da academia tentam subjugar um processo de designação por lista tríplice, quando a mesma comunidade acadêmica luta para manter esse formato à indicação dos reitores das universidades públicas…”
O título é uma alusão ao romance “O Processo”, de Franz Kafka, escrito na mesma época da abertura do Museu Mariano Procópio (Mapro), década de 1920. A obra traz a reflexão de que não há chances de um debate dialético entre a franqueza da razão contra a virulência da irracionalidade. Noutras palavras, de nada adianta a instauração de um processo, pois veladamente a causa já estaria julgada, sentenciada e somente carecendo da formalidade processual.
De fato, há similaridade com a celeuma criada pela atual Administração municipal sobre o processo de governança do Mapro. Segundo informações trazidas nas reportagens da Tribuna de Minas, o Conselho dos Amigos foi acossado pela irresignação da atual gestão municipal com a condição de seleção do diretor do Museu, baseada numa lista tríplice oferecida pelo mencionado Conselho. Dado o impasse, foi instaurada a Mesa de Mediação de Conflitos, e o Museu segue sob direção interina. Recentemente veio às claras que a estocada da autoridade municipal foi motivada por carta subscrita por diversos intelectuais, alegando preocupação com a estagnação do Mapro. Fato pertinente, mas o alvo da crítica é a forma do processo seletivo, pelo menos é o que se depreende do que está sob domínio público, até agora.
Há uma aparente ironia quando membros da academia tentam subjugar um processo de designação por lista tríplice, quando a mesma comunidade acadêmica luta para manter esse formato à indicação dos reitores das universidades públicas que estão sofrendo com a intransigência da gestão federal. Ora, que se dê os devidos créditos históricos! O modelo de gestão aplicado há décadas no Mapro pode ser considerado mais uma ação vanguardista de Juiz de Fora. Tentar solapá-lo com interpretações parciais de políticas públicas e, pior, impondo títulos acadêmicos sem nexo causal com atribuições e funções de gestão pública é atuar ao arrepio da boa-fé.
As diretrizes do Instituto Brasileiro de Museus não necessariamente devem deslocar o que é feito aqui. Pelo contrário, podem ser úteis para aprimorar o processo seletivo do Conselho dos Amigos. Aliás, ponto incontroverso, segundo seu presidente. Assim, em vez de açoitar o longevo modelo de governança, é preferível aprimorá-lo. Além de respeitar as nobres condições do doador Alfredo Lage e sedimentar a segurança jurídica de mais de 80 anos de aplicação, irá mantê-lo contemporâneo e, quiçá, torná-lo patrimônio imaterial da evolução da sociedade civil brasileira.
Mas voltemos a Kafka. O que dizer da presunção de imparcialidade da Mesa de Mediação e Conflitos se é presidida por membro que ocupa cargo de confiança da atual mandatária da Administração municipal que, por sua vez, já se posicionou publicamente contra o Conselho dos Amigos? Quem diria que Franz Kafka “visitaria” nosso Museu nessas beligerantes circunstâncias? A conferir o veredito!
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