Carta aberta ao presidente
Sr. presidente Jair Bolsonaro, há 45 dias estou em casa. Nos primeiros dias, o coronavírus parecia algo muito distante, coisa da China e da Itália, quase impossível de nos afetar. Mas eu, assim como outros inúmeros brasileiros, entendi que havia um papel a cumprir: o de ficar em casa. Aos poucos, todos ao meu entorno se isolaram. Comecei a trabalhar em home office, me distanciei de meus pais, ambos com 88 anos. Convenci, com muita dificuldade, meu pai a não sair, pois o risco de se contaminar era alto e poderia afetar minha mãe, que tem Alzheimer. Também não encontro minhas filhas, não vou ao mercado ou a qualquer outro lugar. Meu filho, a fim de me proteger, também ficou em casa.
Entendi, como a grande maioria, que a pandemia, assim como um tsunami, se aproximava com enorme força e capacidade de destruição, e por isso teríamos que nos sacrificar, para nosso bem e pelo bem comum. O país estava em risco, as pessoas estavam em risco, a economia estava em risco, mas não havia nada que nós, simples cidadãos, pudéssemos fazer, a não ser ficar em casa.
Mas eis que o senhor surge em seu pronunciamento e proclama que se trata de uma gripezinha, que a fé irá nos proteger e ridiculariza a saúde mundial. Me recuso a acreditar que seus atos e suas palavras se pautam exclusivamente em interesses políticos de reeleição. Um homem que se diz forjado pela fé não colocaria seu povo em risco. Falo como uma eleitora que confiou o voto ao senhor, portanto não se trata da “esquerda golpista”. O senhor dividiu e continua a dividir o país na hora em que o mundo se uniu. Como pode continuar desafiando a letalidade de um vírus que fez o Vaticano fechar suas portas, e até mesmo o Papa se ajoelhar diante dele? Hoje já são mais de dez mil mortos…
Sr. presidente, o senhor tem a possibilidade de entrar para a história como aquele que humildemente reconheceu seus erros e retrocedeu. Como aquele que protegeu e se preocupou com a vida de milhões de brasileiros, que lutou a luta de cada um deles e não suas próprias bravatas como vem fazendo, insistentemente. Ou talvez o senhor correrá o enorme risco de, sim, entrar para a história, mas sentado ao lado de Nero, ou, simplesmente, ser esquecido. Mas e daí?