Paciência como virtude
Não é curioso que nós usemos a mesma palavra, “paciente”, para aquelas pessoas que demonstram, no cotidiano, ter o que chamamos usualmente de paciência e, também, para aqueles indivíduos que se encontram sob cuidados médicos? O que haveria de comum entre esses dois “pacientes”? Afinal, o que é a paciência? Vamos pensar sobre isso.
Etimologicamente, os dois usos derivam da mesma raiz latina, patientia, que significa a capacidade de passar por atribulações, por sofrimentos, com resignação e com resistência. Em termos comuns, “aguentar o tranco”.
Com essa informação, já é possível perceber a ligação: tanto aquele detentor da paciência na vida cotidiana quanto aquele que está sob cuidados médicos encontram algumas dificuldades, algum sofrimento e persistem, aguentam…
A situação em que se encontra o paciente (seja ele o da vida cotidiana ou o do tratamento médico) é algo que escapa ao seu campo de atuação: depende da ação de outros ou de circunstâncias alheias à sua vontade. Por isso, é preciso aguentar, exercer a paciência. Seriam os dois, então, detentores da virtude da paciência? A conclusão não pode ser tão apressada. Talvez seja necessário propor uma diferenciação.
Todos nós encontramos dificuldades e sofrimentos ao longo da vida. As atribulações cotidianas nos testam constantemente. Se resistimos, estamos no exercício da paciência. Mas essa ainda não seria a virtude da paciência. Seria algo que poderíamos chamar, a princípio, de “paciência de fato”: uma expressão que indica que o sofrer (pati, em latim) é da facticidade, é da vida e é inescapável. Por exemplo: quando precisamos de algum serviço e, para acessá-lo, encontramos uma fila, temos que aguentar essa espera. É fato. Todos os enfileirados estão no exercício da paciência, mas da paciência de fato.
O modo como lidamos com as atribulações demonstra a virtude – afinal de contas, virtude é algo que se revela no exercício. Há aqueles que vão se impacientar com a fila, demonstrando irritação, inconformidade. Outros, compreendendo a situação, se conformarão com a inevitável atribulação, sabendo que é necessária para o fim desejado.
A paciência como virtude, assim, é algo diferente daquela de fato. Trata-se da capacidade de compreender a circunstância, considerando os meios necessários e os fins almejados, e se conformar, isto é, aguentar pacientemente a situação. A paciência como virtude é, outrossim, uma lição de humildade: a percepção de que as situações escapam ao nosso controle, de que somos pequenos… O impaciente, ao contrário, não aceita e sofre com a inconformidade: não se encaixa naquele lócus, mas ali permanece ou dali sai em prejuízo do fim almejado. No caso da pessoa que está sob cuidados médicos, é a assistência dada por outras pessoas que permitirá que o paciente se cure. Não saber esperar a cura, o resultado do tratamento, não o antecipa em nada. Só gera angústia.
No final das contas, retomando o outro exemplo, a fila é a mesma para ambos: para o que a entende e se conforma e para o que se irrita e se incomoda. Ambos passam pela situação, por isso são pacientes de fato. Mas só aquele que mostra a capacidade de compreensão dos acontecimentos, sopesando, humildemente, necessidades e objetivos, é quem exercita a paciência como virtude: o resistir conformado e compreensivo.
A virtude da paciência, então, tem seu benefício diretamente ligado ao bem-estar da própria pessoa quando nela se exercita. Todos passamos por sofrimentos, mas entender as situações, quando são necessárias, nos torna resilientes. O indivíduo desprovido dessa virtude sofre em escala maior: não compreendendo a situação, irrita-se, perde a calma… Mas seu desconforto não altera a realidade, que não depende exclusivamente de sua vontade. Se nem tudo está ao nosso alcance, o que fazer? Paciência…
Ser humilde diante do mundo, respeitar os próprios limites, não gerar sofrimentos desnecessários, mas entender os necessários… Tudo isso decorre do exercício dessa virtude, a paciência. Fazer o bem a si mesmo para, então, tornar-se apto à benevolência para com os outros. Este é um caminho verdadeiramente virtuoso.