Igreja em processo de escuta das bases
O Concílio Vaticano II colocou a Igreja católica em diálogo com o mundo moderno, com o qual ela estava rompida desde o século XIX. Para isso, descentralizou o poder eclesiástico, concentrado no Papa e na Cúria Romana, e recuperou o princípio da colegialidade episcopal, que estende a autoridade do bispo também para fora da própria diocese, desde que em comunhão com os outros. Da colegialidade nasceram as Conferências Episcopais de cada país ou região, como a CNBB no Brasil e o Celam para a América Latina e Caribe.
Forma importante de colegialidade são os sínodos. Eles não reúnem a totalidade dos bispos, como os concílios, mas sim representantes eleitos ou convidados por Roma para aconselhar o Papa sobre temas específicos. Família, juventude e Amazônia foram os temas dos sínodos convocados por Francisco. O próximo, a realizar-se em 2023, tem por tema a Sinodalidade da Igreja. Chama a atenção um sínodo para debater o que devem ser os sínodos. Mas não é difícil entender a razão dessa escolha.
Francisco quer mudanças na Igreja: quer uma “Igreja em saída para as periferias sociais e existenciais”. Mas sabe que não haverá mudança efetiva enquanto perdurar a atual forma de poder eclesiástico. Francisco, com seu jeito descontraído, está desfazendo a imagem do Papa como autoridade absoluta, mas essa dessacralização do poder eclesiástico ainda não chegou às bases da Igreja. Muitos bispos governam a diocese como se fossem papas. E esse exemplo se reproduz em paróquias onde párocos ou vigários se comportam como se fossem bispos. A consequência é que leigos e leigas não se sentem comprometidos com a missão evangelizadora da Igreja. Esse é o mal do clericalismo, que Francisco tanto critica. Para saná-lo e dar um novo impulso missionário à Igreja, o Papa conclama todo Povo de Deus a participar do sínodo sobre a sinodalidade da Igreja.
Os primeiros passos já foram dados. Diferentemente de sínodos anteriores, que reuniam representantes de bispos para se pronunciarem sobre um documento de trabalho elaborado por peritos da Cúria Romana, o sínodo de 2023 vai pronunciar-se a partir do texto oriundo de um amplo processo de escuta das bases da Igreja. Iniciado em setembro, ele vai até abril deste ano mobilizando todas as dioceses do mundo para abrir “salas de diálogo” com a maior diversidade possível de vozes. O produto desse processo de escuta será publicado em setembro em forma de instrumento de trabalho, a ser retornado às dioceses. Só após a apreciação das Igrejas locais será elaborado o instrumento de trabalho definitivo, como texto de referência para os bispos que se reunirão em Roma em outubro de 2023.
O próprio Papa, falando aos fiéis de sua Diocese, explicitou a metodologia dessa proposta. Para enfatizar que todas as pessoas que receberam o batismo têm o direito de participar do processo de escuta, disse: “‘Mas, padre, o que está dizendo? Os pobres, os mendigos, os jovens toxicodependentes, todos esses que a sociedade descarta, fazem parte do Sínodo?’ Sim, meu caro, sim, minha cara: não sou eu quem digo, quem o diz é o Senhor: eles fazem parte da Igreja”.
A Igreja em saída é uma Igreja em missão nas periferias sociais e existenciais, para anunciar e edificar a Justiça e a Paz na Terra, como fez Jesus ao proclamar e dar os sinais do Reino de Deus. Essa missão é confiada à totalidade do Povo de Deus. Por isso devemos, todos os fiéis católicos, participar ativamente desse processo de escuta. O pároco ou vigário de nossa paróquia certamente nos receberá com satisfação nessa sala de diálogo.
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