Desvenda-me
Esse é o apelo que o nosso corpo nos faz a cada dia em suas três dimensões: física, emocional e espiritual. Em geral, começamos um novo ano arquitetando projetos que queremos implementar nos 365 dias que virão. Na lista, sempre tem lugar para planos financeiros, estéticos, intelectuais… Que tal incluir em 2021 o item competência de comunicação interna, para ouvir, interpretar e responder com mais pontualidade os sinais do corpo?
Tentando acompanhar a velocidade do mundo moderno, rompemos o ano com a mente acelerada. Nessa ciranda ensandecida, o corpo fica à deriva, mas não em silêncio. Mas a gente ignora, porque o tempo é curto, o relógio não para, a fila anda… é preciso correr para entender e explorar o mundo. Até que o ponteiro trava, a doença chega, e a máquina para sem pedir licença.
Na tentativa de se fazer ouvir antes que a máquina pare, o corpo sussurra, fala alto e depois grita, em resposta a desequilíbrios momentâneos, repetitivos ou instalados. “Atenção! Tudo é alimento, e eu só consigo digerir bem uma coisa de cada vez.” Hora da refeição, energia total para baixo, respiração profunda, mente em marcha lenta. Está raciocinando? Hora de digerir pensamentos, energia total para cima, adrenalina em ação, enzimas digestivas fora de campo.
O corpo físico sussurra que não está com fome, não liberando saliva; que já está saciado, com um arroto bem sutil; que vai começar a limpeza interna, com leves contrações na região do intestino. Ignorando os sussurros? Ele grita: gases, dor de cabeça, indigestão ácida. E tem sussurro emocional também: insônia, pesadelos, despertar cansado. Ignorou? Vem a ansiedade querendo estacionar. Logo depois, quem grita é a depressão.
É importante entender, como bem explica o Ayurveda (Ciência da Vida), sabedoria milenar da Índia, que desequilíbrio é diferente de doença. Se aprendemos a ouvir os sinais do corpo e da mente, podemos reconhecer desequilíbrios e administrá-los melhor. Como resultado, conseguimos evitar e até retardar que doenças se instalem. Na prática, o que convém hoje nem sempre convém amanhã. Uma rotina confortável aos 20 anos tende a ser insuportável aos 50. Um alimento ou emoção mal digerido hoje deve ser evitado amanhã, para diminuir a fadiga.
A linguagem do corpo não é tão difícil, requer atenção. Tem alimento que eleva (verduras, legumes, grãos integrais, chás), faz ficar mais criativo e rápido no raciocínio. Tem alimento que pesa (carnes, massas, frituras, álcool), dá preguiça, cansaço, raciocínio lento. Então, se preciso de energia para o alto, escolho certo o que comer e faço melhor o que quero, sem forçar a máquina.
A fome também tem seus recados. Ela vem em tamanho diferente a cada refeição e, não mande nada se ela não estiver por lá, claramente sinalizada pela salivação. Atenção para o horário e as quantidades. Veio o arroto leve, o estômago está no limite. A nossa potência para digerir alimentos, ou fogo digestivo como é chamado no Ayurveda, acende, aumenta e diminui no ritmo do sol. Pela manhã, vai bem alimento leve, ao meio-dia, fogueira a todo vapor com força para digerir mais peso e quantidade. Ao entardecer, fogo baixo, comida leve e pouca.
Às boas escolhas alimentares somam-se atividade física e práticas para restaurar o equilíbrio da mente. Corpo e mente pedem movimento e repouso em doses equilibradas. Estabeleça pausas de restauração na rotina diária, para respirar conscientemente, alongar, movimentar-se. Seja todo ouvidos para você. Leia, pesquise, entenda como a sua máquina pessoal funciona.
O pulo do gato é que o equilíbrio, a serenidade e a capacidade de diálogo que conseguimos estabelecer no plano interno refletem no externo, e o contrário também. Se estamos queimando por dentro, vamos soltar fogo para fora e queimar quem estiver por perto. De outro lado, se alcançamos leveza, ritmo e fluidez internas, podemos lidar com mais equilíbrio e serenidade com as pressões externas. Se aprendemos a nos ouvir em profundidade, seremos melhores ouvintes nas relações interpessoais.
Então, desvende-se um pouco mais em 2021, ouça, interprete e responda rápido aos sussurros e chamados do seu corpo. Do contrário, vida vem, vida vai e pode-se terminá-la sendo um estranho de si mesmo.
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