O progresso
“Estamos envenenando nossas relações, contaminando nossas índoles e subvertendo nossa moral cada vez mais e mais”
O progresso de qualquer tipo ou forma só é capaz de um feito: aproximar a obra do fim, abreviar a existência. Quanto mais rápido se evolui, mais rápido se fenece. Quanto mais a cidade cresce, mais pessoas nascem e vivem por mais tempo, menos espaço há. Quando acabar o espaço, acabou-se o mundo. O mesmo acontece com as pessoas: quanto mais rápido ficam sabendo das coisas, mais rápido se acabam, esgotam-se em si mesmas.
“Saber” aqui no sentido de compreender, não de conhecer. Claro que não é possível conhecer absolutamente todas as coisas, contudo é possível amadurecer somente até um certo ponto. Depois disso, passa-se do ponto ou morre. E morrer é o fim. E, nesse sentido, compreender significa saber, que, de certa forma, significa amadurecer. Assim, o saber mais cedo é o mesmo que morrer mais cedo.
Já dizia Raul Seixas: “Queria ser burro, assim não sofria tanto”. Saber é igual a sofrer, e não temos escapatória disso. O destino da humanidade no começo dos anos 1980, com CFC, falta de preocupação ecológica e pouca ou nenhuma lei para controle de poluição era comparável a um automóvel indo a 80km/h em direção a um abismo. Metáfora muito usada pelos pesquisadores mais pessimistas e fatalistas da época. Diziam que não adiantava nada diminuir a velocidade, referindo-se às leis de meio ambiente que começavam a ser implementadas. Só adiantava mudar de direção.
Mudamos, de fato. Estamos indo cada vez mais em diagonal para aquele mesmo precipício, e, enquanto ele não chega, desviamo-nos para dentro de nós mesmos. Resolvemos correr em direção à nossa morte na frente do carro, nem que seja para chegar no abismo e perceber que ele não passava de uma ilusão, e tudo que restar ser tão entediante e vazio quanto a própria vida que vivemos. Estamos envenenando nossas relações, contaminando nossas índoles e subvertendo nossa moral cada vez mais e mais.
O progresso nos empurra a um abismo, semelhante ao colapso enfrentado pelo planeta. Da mesma forma, o abismo se desenha no horizonte de forma gradual, e, quando percebermos a profundidade do buraco, estaremos já nos primeiros 20 metros da queda.
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