Simone Biles e Olimpíadas

“Quantas vezes você não ouviu: ‘Você pode ser tudo o que quiser’? Pode mesmo? E, se pudesse, você quer?”


Por Fernanda Queiroz, Psicanalista, pós-doutoranda em Teoria Psicanalítica pela UFRJ

03/08/2021 às 07h00

Esta semana, Simone Biles, atleta olímpica norte-americana, desistiu de competir na final da ginástica, em meio aos jogos olímpicos de Tokyo, para cuidar de sua saúde mental.

O ato de Simone Biles nas Olimpíadas nos proporciona algumas reflexões.

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Para alguns, a sua desistência foi interpretada como fracasso, dificuldade de lidar com erro, medo de não ficar em primeiro lugar, revelação de uma insatisfação de anos, irresponsabilidade e abandono da equipe, depressão, Burnout, falta de desenvolvimento de soft skills… as especulações são muitas. Mas prefiro a sua declaração: “Preciso cuidar da minha saúde mental”, sejam quais forem os motivos!

O que afeta a saúde mental subverte a lógica do “ter tudo”, que é considerado predicado de felicidade na sociedade atual.

Muitas vezes, desistir, reconhecer os limites, é interpretado como um retrocesso ou demérito. Contudo o ideal da “alta performance” e da “superação infinita”, que ultrapassa os limites do esporte e dos atletas de alto rendimento, pode funcionar como um ideal onipotente que muitas vezes acaba por fomentar: desorientação, estagnação, angústias avassaladoras, dificuldade de se satisfazer com o campo da realidade.

Quantas vezes você não ouviu: “Você pode ser tudo o que quiser”? Pode mesmo? E, se pudesse, você quer?

Nessa frase, geralmente, o foco recai sobre o “tudo”, em vez de destacar o sujeito da ação “o que eu quero?”, “qual é o meu desejo?”, “quais são as minhas escolhas?”. Como disse Simone Biles, “temos que proteger nossas mentes e nossos corpos, e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”.

Proponho uma inversão: “Poder não é querer”. Às vezes, é mais um gatilho do piloto automático da adequação a uma suposta expectativa do outro e da negação em reconhecer suas vulnerabilidades. É a lógica da sociedade de consumo, “a oferta gera a demanda”, e você acredita que precisa “daquele produto” para alcançar uma satisfação e aliviar seu mal-estar, até a propaganda do próximo produto.

Esse ideal também produz um avesso: a ideia de que “basta você querer” ou seguir dez passos de alguma fórmula mágica e… “problemas resolvidos”!

Conquistar objetivos implica renúncias, escolhas, esforço, abrir mão de satisfações imediatas. Não será sem trabalho e terá suas tensões!

Reconhecer sua realidade, suas particularidades, seus limites – que existem independentemente da sua vontade – é o que vai permitir você caminhar.

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Qualquer ideal que fomenta a onipotência promove uma desconexão com a realidade e produz um efeito rebote. Potência não é onipotência!

Cuidar da saúde mental é descobrir o poder do “não”, que revela a possibilidade dos “sins” e da construção criativa e responsável do seu caminho.

Simone Biles escreve seu nome mais uma vez. Nossa saúde mental vale ouro.

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