Vocação interdisciplinar


Por Bruno Albuquerque, Doutorando em Ciência da Religião (PPCIR-UFJF), mestre em Psicanálise (PGPSA-UERJ), psicólogo (IP-UERJ), membro associado do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise (Seção Rio de Janeiro)

03/07/2018 às 07h00

Certa vez, ouvi um professor criticar o fato de que um dos primeiros físicos estudava a lua enquanto louvava num poema o Criador por tamanhas beleza e perfeição, tendo deixado por escrito o testemunho dessa conjugalidade de experiências numa obra científica. Penso que os grandes autores do passado eram mais felizes do que nós quando mesclavam ciência e arte, matemática e espiritualidade, do que aqueles que tentam fazer o mundo caber em caixinhas cartesianas.

O olhar que recorta pressupõe a coisa morta. É por isso que só é possível dissecar cadáveres. No corpo vivo, há que se aproximar respeitando a linguagem que nele habita, as dores e as alegrias inscritas na sua carne. Há que se proceder com rigor e método, sem com isso matar a leveza da vida, nem o espírito de poesia. Os músicos sabem o quanto há de matemática na música, e os matemáticos sabem o quanto a matemática é musical, porque eles ouvem nela a música do universo.

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Meditando sobre o caminho que me levou a estudar psicanálise e religião, fiquei pensando nas peculiaridades da vocação para a interdisciplinaridade, que também precisa sempre estar em diálogo com as especializações. Minha experiência até aqui vem mostrando a possibilidade de oferecer outros tipos de contribuição que uma única disciplina não consegue, criando diálogos insuspeitados.

Quando estou trabalhando, precisando ler textos em inglês, francês e italiano, aprendendo alemão, recorrendo a noções de grego, hebraico e latim, experimento uma convicção íntima de que devo continuar a explorar esse caminho interdisciplinar, insistindo numa direção distinta do tecnocentrismo e do utilitarismo. Sinto que esta é a pequena parcela que me cabe investigar nesse universo gigantesco cheio de questões interessantes. O humano não cabe nos métodos que constrói.

Quando chego ao final do dia com a sensação de que empreguei todos os esforços que podia para fazer um pequeno avanço na pesquisa, lembro-me de como interpretei a conclusão de “O hobbit”, do autor inglês J. R. R. Tolkien. Numa conversa com Gandalf, o Cinzento, o pequenino Bilbo ouve do mago que, após tantas aventuras, ele pode perceber com um novo olhar que é apenas mais uma pequena pessoa nesse mundão.

Se tivesse ficado em sua casa, no Condado, a toca onde os hobbits se escondem do “mundão”, Bilbo jamais teria tomado consciência de sua pequenez e ainda estaria satisfeito com a barriga cheia e a despensa entupida. Bilbo passou dos celeiros às estradas, apostando que mais rico é aquele que caminha sem nunca acabar de chegar.

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