O STF e o espectro lavajatista

“A resposta apresentada, de cunho administrativo, é insuficiente para responder aos problemas vivenciados pelo STF, essencialmente de origem sociopolítica”


Por Márcio S. de Santana, Historiador e professor associado na Universidade Estadual de Londrina

02/02/2023 às 07h00

Não faz muito tempo, a operação Lava Jato era exorcizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião das anulações das condenações sofridas por Luiz Inácio Lula da Silva na Justiça Federal, liberando-o para a disputa das eleições majoritárias, vencidas por ele, após uma acirrada campanha, sendo reconduzido ao terceiro mandato presidencial. Nesse sentido, cabe o questionamento: se o lavajatismo foi tão danoso ao país, por qual razão o STF incorpora, ainda que parcialmente, sua essência ao rito do inquérito das fake news e seus derivados – o dos atos antidemocráticos e o das milícias digitais?

Nas últimas semanas de 2022, o STF realizou uma minirreforma administrativa, indicando o fortalecimento da colegialidade na instituição. Em linhas gerais, a notícia foi bem recebida nos meios de comunicação, assim como agradou aos analistas especializados. De minha parte, cético que sou, não recebo essa notícia com o mesmo entusiasmo. As instituições, devo lembrar, são construções humanas, portanto, passíveis de serem desvirtuadas a todo instante.

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Apesar de limitados, são louváveis os esforços para responder aos questionamentos da sociedade civil. A resposta apresentada, de cunho administrativo, é insuficiente para responder aos problemas vivenciados pelo STF, essencialmente de origem sociopolítica. Logo, as mudanças anunciadas não terão efeito sobre a imagem pública da Corte enquanto não for apresentada uma solução, definitiva e republicana, ao inquérito das fake news e de seus derivados.
Os questionamentos técnicos são muitos. Tanto a abertura de ofício quanto a ausência de objeto específico são elementos que se sobressaem no que diz respeito à instauração do inquérito. O rito empregado é outro ponto polêmico, tendo em vista a ausência do Ministério Público Federal (MPF) ou ainda o sigilo que impera no inquérito desde o seu início, bloqueando o acesso dos advogados dos investigados à totalidade do material coletado, cerceando os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Em suma, não se atropelam as regras básicas que dão sustentação ao Estado de Direito com o argumento de que as ações visam exatamente defendê-lo de um perigo maior! Um democrata autêntico não pode e não deve flertar com heterodoxias legais tão ao modo lavajatista – tal como operação de busca e apreensão em escritório de advocacia. A banalização desse tipo de expediente é revelador de que o desgaste de nossa democracia é maior do que queremos admitir.

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