Além do tempo e do espaço
“Esta é a primeira notícia do jornal que está nascendo: de uma nova tribuna e consciente da realidade e do seu espaço e do seu tempo. O povo da Zona da Mata de Minas Gerais oferece seu testemunho de coragem, confiança e entusiasmo.”
Foi assim, em agosto de 1981, que a velha rotativa Goss Comunity materializou em palavras o ideário – como gostava ele de dizer – do nosso pai, Juracy Azevedo Neves.
Espaço e tempo sempre foram os grandes móveis sobre os quais alicerçava-se este homem, menino de Lima Duarte – em verdade, o Esmeril, que ele nunca mencionava para não se estender na explicação -, que veio a ser integrante da primeira turma de Medicina de Juiz Fora. Que teve como paraninfo ninguém menos que o então presidente, Juscelino Kubitschek. Igualmente médico.
Espaço, porque nosso pai nunca foi verdadeiramente pertencente a um lugar que não fosse de ideias e materializações. Tempo, porque sua maior ambição sempre foi fazer-se além do seu tempo. A sua última decisão foi coerente com sua existência: ele partiu para onde sempre esteve.
Em junho do ano passado – antevéspera do seu octogésimo sétimo aniversário -, fizemos o lançamento do livro “O homem da planície – Vida, obra, ideias de Juracy Neves”. O discurso feito pela família menciona Hamlet, uma passagem de Shakespeare.
“O que é mais nobre para o espírito: suportar os dados e os petardos de um destino sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e pôr-lhes fim, tentando resistir-lhes?”
Por que Hamlet, por que Shakespeare?
Shakespeare, porque desde sempre convivemos com seu gosto pela leitura. A saudosa edição era na versão de bolso, que trazia uma capa vermelha. Hamlet, porque fala de um drama humano, que existiu, existe e existirá para além dos limites do tempo e do espaço.
Duas vezes, até então, somente resignação sobrou ao nosso pai, quando o destino impôs-lhe um fardo adverso. A segunda, quando teve a perna direita amputada no dia anterior ao seu aniversário de 83 anos. A primeira, quando seu pai faleceu e encontrou-o um menino de 12 anos.
Mas Juracy não seria Juracy sem pôr fim “a um mar de desventuras e pôr-lhes fim tentando resistir-lhes”. Nossa avó mudou-se com os filhos para Juiz de Fora, a cidade que nosso pai adotou como sua e foi por ela adotado.
Vieram o vestibular de Medicina, o curso Barros Terra, em sociedade com Olamir Rossini. Parceiro nos negócios, irmãos na vida. Mais tarde, faria sociedade com Afonso Ribeiro da Cruz, o prof. Cruz, fiel de sempre. Paulo Falce nunca foi sócio de fato, mas verdadeiramente dividiu com ele significativa parte da sua vida. Esteve sempre presente.
A segunda, pensávamos a última, os desafios da vida levaram a perna do nosso pai. Passou tempo, mas até ele começou a caminhar 2km por dia com sua prótese…
Passou mais tempo. Novamente, quis a existência “fazer-lhe suportar os dados e os petardos de um destino sempre adverso”.
Mas Juracy, já um velho experiente, não vestiu o coração do menino de 12 anos. Simplesmente agradeceu a todos e achou melhor mesmo ir morar onde seu coração sempre esteve, além do tempo e do espaço…
Desta vez, que a rotativa Sunday 2000 eternize este fato à coleção da sua história.
Dos filhos, Márcia, Suzana, Marcos e André Neves