Reflexos da coalizão
Desde a redemocratização, os governos têm sido loteados por partidos que formam a base no Congresso, com consequências como as que levaram à prisão do ex-ministro da Educação
A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, na manhã dessa quarta-feira, pela Polícia Federal, é fruto de uma série de denúncias dentro do pacote de irregularidades que levaram à sua saída do Governo. O tráfego de influência não é um fato novo na política brasileira. Ao contrário, é uma rotina que perpassa vários mandatos, bastando acompanhar os escândalos desde o início da redemocratização. Quando caiu, Fernando Collor tinha ao seu lado o empresário Paulo César Farias, que usava e abusava de sua proximidade com o poder. O caso do ex-ministro é o mais recente, mas, certamente, não será o último tal a capacidade de infiltração dos grupos de interesses que andam pelos corredores de Brasília.
Quando surgiram as primeiras denúncias, já se sabia que o problema era mais grave. Os depoimentos de diversos prefeitos foram a prova material da relação pouco republicana com os cofres públicos, já que tinham que “deixar algum” para obterem benefícios para os seus municípios. Quem não aceitava voltava de mãos vazias ante o veto dos intermediários. O devido inquérito, já em curso, será capaz de desvendar esse preocupante enredo num dos ministérios estratégicos do Governo. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, demitido após ter, segundo o próprio, resistido em entregar o FNDE ao Centrão, usou as redes sociais para dizer que mais casos de suspeitas de corrupção não devem parar de aparecer com a prisão de Milton Ribeiro e dos pastores.
O presidente Jair Bolsonaro utilizou o único discurso a ser feito: quem é culpado tem que pagar, mas no seu entorno admite-se que haverá repercussão no projeto da reeleição, embora só o tempo seja capaz de dizer até onde vão os danos. O ex-ministro se gabava da proximidade com o chefe do Governo e agora é responsável por esse desgaste. No Congresso já se fala em criação de uma CPI do MEC para apurar outros possíveis danos, mas, a despeito de faltarem poucas assinaturas, sua eficácia, em meio a uma campanha eleitoral, deve ficar aquém das expectativas. A prioridade dos parlamentares, agora, é a eleição, e anunciar uma investigação de tal porte, mesmo sendo necessária, é mais um jogo para a arquibancada do que um dado real.
O uso abusivo do poder tem como uma das matrizes, no caso brasileiro, a necessidade de os governantes buscarem aliados para compor sua base no Congresso. Desde a redemocratização, não houve um só presidente que cumprisse sua agenda sem respaldo de aliados indigestos. Num Parlamento com mais de 30 legendas, há uma clara necessidade de negociação, e a conta passa, necessariamente, pela ocupação de cargos na estrutura de poder. E aí, as consequências são incontroláveis, pois boa parte desses partidos tem dono, e esses personagens atuam como protetores do Governo, mas também como autores do jogo de interesses que perpassa os gabinetes oficiais.
O grave desse enredo é que, enquanto prevalecer o presidencialismo de coalizão, não haverá meios de inverter o jogo. A reforma política passou longe da necessária mudança, e as medidas para redução do número de partido foram tímidas, bastando ver a composição não só do Congresso, mas também das assembleias legislativas e das câmaras municipais.