Fogo cruzado
Embate entre o presidente da República e seu ex-ministro da Justiça cria tensão no pior momento da pandemia do coronavírus, criando um clima de confronto que só amplia a crise que ora afeta o país
O dólar fechou nessa terça-feira próximo aos R$ 6 em razão da tensão política que se estabeleceu em Brasília com apresentação do vídeo de uma reunião do presidente e seus ministros, na qual, de acordo com o ex-ministro Sérgio Moro, então titular da Justiça, ele teria sido cobrado a mudar o comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro. O mercado é sensível a esses “abalos” e, em operações de head, se esconde atrás do dólar para salvar o seu.
Os mais pessimistas admitem que, a continuar nessas sístoles e diástoles, sem contar os dramas da pandemia do coronavírus, a moeda norte-americana fechará o ano na casa dos R$ 8, o que só é bom para os exportadores e uma tragédia para os demais. Por mais intervenções que pratique, o Banco Central será incapaz de deter tal escalada, sobretudo se as denúncias se ampliarem ainda mais e a doença chegar a níveis críticos no Brasil.
Num cenário de economia fragilizada, os investidores se tornam mais sensíveis, migrando seus recursos para mercados estáveis, o que, definitivamente, não tem sido o caso nacional. Todos os dias o noticiário tem sido pródigo em informações críticas, ora pelo aumento do número de contaminações, ora por ações ou inações das instâncias de poder. O embate entre o presidente Jair Bolsonaro e Sérgio Moro era uma tragédia anunciada desde a posse, mas ocorre no pior momento.
O presidente deveria ter seguido uma das máximas de Tancredo Neves em que ele recomendava não contratar quem você não pode demitir. O presidente levou Moro para seu ministério por conta do prestígio do juiz da Lava Jato, mas sabia de antemão que, em algum momento, teria problemas se o apeasse do poder. Tomou a decisão, e o que se vê, agora, é um jogo de ação e reação que reflete em todas as instâncias.
Não dá para avaliar a extensão desse impasse, mas o que ora se vê já é suficientemente preocupante, pois criará, de novo, um clima de embate no cenário político, a ser aproveitado exatamente pelos segmentos que apostam na polarização. Neste ciclo de nós contra eles ou eles contra nós, a conta costuma sobrar para aqueles que ficam no meio do fogo cruzado.
A bola será repassada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem cabe falar nas investigações definidas pelo Supremo Tribunal Federal. Se levar adiante, será defenestrado pelos seguidores do Governo, pois foi indicado para o cargo fora da lista tríplice apresentada pelo Ministério Público. Se frear, vai ganhar a pecha de “engavetador geral da República”, título já registrado por um de seus antecessores – Geraldo Brindeiro – na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso.