O bombeiro Temer
Ex-presidente entra no circuito para reduzir tensões entre os poderes, mas só o tempo dirá se sua ação deu resultado
Quando assumiu a Casa Civil da Presidência da República, no dia 5 de agosto, o senador Ciro Nogueira, em seu discurso de posse, disse que seria o amortecedor entre as ações do Governo e as demais instituições do Brasil, mas quem executou com maestria essa função foi o ex-presidente Michel Temer, que convenceu o presidente Jair Bolsonaro a divulgar uma carta na qual desdiz praticamente todo o seu discurso de 7 de setembro. No Dia da Independência, em Brasília e em São Paulo, ele fez duras críticas ao Supremo Tribunal Federal e, especialmente, ao ministro Alexandre de Moraes e deixou claro que não iria cumprir decisões daquele ministro. Ontem, tudo mudou.
No documento em que elenca pelo menos dez pontos, o presidente diz que respeita a qualificação profissional do ministro e anunciou que, mesmo discordando – o que é um direito -, irá contestar suas decisões no caminho da legalidade, isto é, por meio de recursos em vez de enfrentamento, nos quais, de acordo com seus críticos, cometeu crimes de responsabilidade.
A carta ao país reduz tensões e acalma o mercado, bastando ver o comportamento imediato das bolsas, que subiram, e do dólar, que caiu. Mais do que isso, porém, foi a repercussão na própria instância política. O presidente saiu da retórica fácil do enfrentamento ao reconhecer a importância das instituições. Não há necessidade de dependência ou reuniões entre seus presidentes, bastando cumprir o que diz a própria Constituição: os poderes são harmônicos, mas independentes.
A questão seguinte é saber até onde vai a disposição do presidente de levar adiante os postulados que anunciou na carta. Quando a Câmara colocou em pauta a votação do voto impresso, ele tinha dado garantias ao deputado Arthur Lira que respeitaria o resultado. No dia seguinte, porém, voltou a criticar o modelo e o fez repetidamente, como no dia 7 de setembro.
Um mínimo de cumprimento do que foi anunciado nesta quinta-feira será suficiente para reduzir tensões, sobretudo num momento em que a inflação está em alta, e a Selic ameaça bater na casa dos 9%. Além do mais, há uma pandemia a ser resolvida, uma vez que, a despeito de todas as flexibilizações, ela ainda é um dado real do no dia. A energia utilizada no embate político, se carreada para outras frentes, teria sido muito mais útil ao país que todos, da esquerda à direita, dizem amar e respeitar.