Atos deliberados
A propagação de notícias falsas se acentua, mas a reação tem sido positiva, como mostram os números dos cartórios
A despeito das restrições impostas pela legislação, a propagação de fake news continua em alta no país, com crescimento mais acentuado em períodos eleitorais. Documento hábil para a comprovação de crimes virtuais, como calúnia, injúria e difamação, a Ata Notarial passou a ser o instrumento mais procurados nos Tabelionatos de Notas em Minas Gerais. Para se ter uma base, levantamento realizado pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, que representa os cartórios de notas do país – destaca que o número de registros, só em Minas, em 2021, foi 31% maior do que o de 2020. Em números absolutos, foram 14.139 atos no ano passado contra 10.781 em 2020. Como neste ano há eleições gerais, os números de 2022 devem ser bem mais expressivos.
O levantamento pode ser avaliado sob dois prismas. Pelo lado mais perverso, revela o número de casos em que a notícia falsa é o instrumento utilizado por deliberados interesses, que passam por calúnia, injúria ou difamação – num ciclo em que a ingenuidade é o que menos conta. Como já foi discutido neste mesmo espaço, o autor de fake news não age sem avaliar as consequências. Ao contrário, ele tem um propósito que atende seus interesses pessoais ou de grupos, sempre com a marca do dolo, isto é, da intenção de fazer sabendo dos efeitos.
Por outro lado, quando quase 15 mil Atas Notariais são levadas aos cartórios, há um claro indício de indignação e de reação. As vítimas estão se movimentando e cobrando ações penais para inibir tais feitos. É um bom sinal, pois serve de alerta aos incautos que consideram a publicação um processo sem qualquer custo penal ou cível. A notícia falsa não é novidade, mas a sua punição, sobretudo quando se enquadra no campo da culpabilidade, deve ser um dado real.
É fato tratar-se de um fenômeno global, mas no Brasil há particularidades que têm sido combatidas pelo Tribunal Superior Eleitoral com forte reação de diversos segmentos com o discurso da liberdade de expressão. O argumento está na própria afirmação da liberdade; a contrapartida está na responsabilidade. Todos, de fato, são livres para exprimirem o que quiserem, mas é necessário assumir as consequências, sobretudo quando a afirmação é desprovida de provas ou de verdade.
A chegada das redes sociais aguçou ainda mais a discussão, pois é por meio delas que são propagadas informações, ou desinformações, de toda sorte. Além do fato em si, o compartilhamento tornou-se uma ferramenta para ampliar o alcance da postagem.
De acordo com especialistas, o autor da fake news não faz publicações aleatórias. Ele fala para a sua própria bolha, e seus membros se encarregam da propagação. Em tempos de eleição, o jogo se acentua, daí a necessidade de se estar atento ao que passa pelo mundo virtual. Uma postura cartesiana, de colocar a dúvida em primeiro lugar, não faz mal a ninguém.