Mundo paralelo
Brigar com números é uma opção imprópria, por comprometer a adoção de políticas públicas de combate à pandemia do coronavírus
Ao mudar critérios de divulgação dos números da Covid-19 e com alterações frequentes no horário de sua apresentação – antes era 17h, passando para 18h -, o Governo federal entra num caminho perigoso. É o que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chama de mundo paralelo, pois foge de pontos básicos da informação, que deve ser um direito coletivo e com todos os detalhes possíveis. Só dessa forma, a sociedade se conscientizará dos riscos que enfrenta. Além do mais, a transparência é um dos preceitos básicos da democracia, sobretudo em questões tão graves como a pandemia, na qual a omissão de dados é maléfica, inclusive para o seu enfrentamento e a elaboração de políticas públicas. Países que desprezam números pagam um alto preço. Ademais, não vale adotar a máxima do avestruz, ignorando a perversa realidade. Ao contrário, quanto mais dados mais eficiente é o combate.
Na semana passada, o empresário Carlos Wizard, que estava prestes a ocupar um cargo no Ministério da Saúde, e depois desistiu, chegou a dizer que informações manipuladas dos governos estaduais apresentavam dados além da realidade, para terem direito a recursos do Ministério da Saúde. A acusação, além de grave, deve ser enfrentada de outra forma: com investigações capazes de apontar as incoerências desses estados para punição dos responsáveis com base nos preceitos da lei.
Para um país que já vive o drama das subnotificações, a atitude do Ministério da Saúde vai contra o próprio bom senso e pode ser um problema a mais no futuro, sobretudo quando se discutem medidas de flexibilização dos negócios. Como tomá-las ante um cenário de incerteza? Por isso, por uma questão de ofício, veículos nacionais vão, a partir de hoje, fazer seus próprios levantamentos. Não para estabelecer um confronto com o Governo, mas para mostrar um retrato real da proliferação. Ao final do dia, o Ministério apresentou novos critérios e justificou suas ações.
A politização da pandemia não é benéfica para ninguém, bastando ver suas consequências. Países em que os dirigentes levaram o tema para o palanque, como Brasil, Reino Unido e Estados Unidos, recusando-se a colocá-lo como prioridade, estão no topo da lista da contaminação, uma vez que, em vez de jogarem todos os seus esforços no seu combate, preferiram adotar um discurso negacionista, apontando para outro norte, quando havia consenso em garantir a saúde da população.