Espírito de corpo
Ao chamar para si a responsabilidade de investigar e julgar um parlamentar denunciado por corrupção, a Câmara assume a responsabilidade de atuar com isenção
Ao decidir pela volta do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), cujo mandato tinha sido suspenso pelo ministro Celso de Mello, em dezembro – numa decisão monocrática -, a Câmara dos Deputados, a despeito de todos os argumentos, volta a demonstrar o velho corporativismo. O parlamentar teve o mandato suspenso por conta de ação da Procuradoria-Geral da União, que o denunciou por corrupção e organização criminosa. Apenas 170 deputados se manifestaram a favor da suspensão, mas o quórum qualificado de 257 votos ficou bem longe. Santiago deve voltar ainda esta semana aos trabalhos.
Para minimizar os danos, seu caso será encaminhado ao Conselho de Ética da própria Câmara, mas a briga pela relatoria dá indícios de mais uma manobra para manter o mandato do parlamentar do que uma ação séria de investigação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que cada poder cumpriu o seu papel, numa clara alusão de prerrogativas. Quem cassa os seus é a própria Câmara. Tem razão, mas não há certeza disso mesmo diante das evidências apresentadas pelo Ministério Público.
A imunidade parlamentar caiu já há algum tempo, permanecendo apenas para voz e voto, mas o espírito de corpo tem inibido investigações de notórios casos de infração. O deputado paraibano tem um longo histórico de problemas. Ele nega, mas as evidências colhidas pelo MP são conclusivas.
O uso do mandato para fins pessoais não é uma prática nova, tendo perpassado todo o ciclo da história política, mas é necessário avaliar os momentos em que o abuso era punido e os tempos do lixo debaixo do tapete. A sociedade já se manifestou contra ao apresentar leis de iniciativa popular de combate à corrupção. Ademais, foi esta uma das principais bandeiras do último pleito.
Ninguém de bom senso prega caça às bruxas, mas exige que a Câmara Federal, ao chamar para si a responsabilidade de investigar o deputado, o faça com o distanciamento necessário para um julgamento justo, assegurando, sobretudo, o amplo direito de defesa. Mas, se constatar os ilícitos apontados pelos procuradores, que aja de acordo com o esperado, pois não faz sentido um parlamentar usar a procuração dada pelas ruas, por meio das eleições, para agir na maré contrária, isto é, em vez do interesse coletivo, como é o pacto das urnas, atuar apenas em proveito próprio ou de terceiros.