Poderes harmônicos
As instâncias de poder precisam definir com clareza o papel de cada uma, a fim de evitar as inseguranças política e jurídica que ocupam a cena nacional
A despeito do resultado do Supremo Tribunal Federal na análise do habeas corpus em favor do ex-presidente Lula, a politização do Judiciário deve servir como bússola para uma ampla discussão sobre o tema. As ações dos ministros do STF não se esgotam em si mesmas; ao contrário, geram insegurança nas demais instâncias e induzem aos demais juízes a fazerem interpretações sob viés político. Todos têm o livre convencimento, mas os exemplos da Corte superior acabam comprometendo as demais decisões.
E, sob esse aspecto, a culpa não tem sua matriz no Judiciário. A questão central está no Congresso, que durante anos a fio passou a ter uma postura apartada dos ideais democráticos que estabelecem a harmonia entre os poderes, mas com independência, o que significa cada um no seu pedaço e a Constituição acima de todos. A omissão do Parlamento, que passou a fazer um jogo de poder com o Executivo graças a um presidencialismo de coalizão, deu margem para os demais poderes entrarem no jogo.
Por conta disso, o Judiciário legisla e o Legislativo age como se fosse o Executivo, formando um cenário de incertezas que não leva a lugar algum, ou melhor, leva a mais dúvidas, que dão margem para o jogo radical de alguns setores que apostam na polarização. Enquanto isso, o Governo fica à mercê desse jogo de poder. Hoje, o país tem um presidente ameaçado de novas denúncias e emparedado por deputados e senadores ávidos por obter concessões, sobretudo num ano eleitoral com a condição de não criarem embaraços para o Executivo.
O país se descola da crise na economia, mas os poderes que deveriam ser harmônicos e independentes, estabelecendo o necessário equilíbrio entre as instituições, agem na contramão, cada um se apresentando como protagonista, quando o verdadeiro foco deveria ser a população.