Queda de braço
Fazer ligações da futura procuradora-geral da República com o presidente da República, por tê-la indicado, é um erro histórico, cometido em outras gestões
A semana será pródiga em acontecimentos, pois deve ganhar curso a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer. Se não houver contratempos, deve ser definido o relator na Câmara, que irá falar na matéria antes de o plenário se manifestar pelo seu aceite ou rejeição. Ao lado disso, prepara-se a sabatina da procuradora Raquel Dodge, indicada para ocupar a vaga de Janot a partir de setembro, quando encerra o seu segundo mandato à frente da PGR.
São ações estanques mas expressivas, uma vez que, no final do túnel, se encontram. O caso Temer, inédito na história recente do país, ganha contornos políticos à medida que há uma pressão intensa da oposição e dúvida entre os aliados, a começar pelo PSDB, que vive uma crise existencial entre o sair e o ficar, fruto do próprio debate interno que se estabeleceu na legenda. Os tucanos são estratégicos para o presidente e sabem que deles depende o sai ou fica do chefe do Governo.
No âmbito da procuradoria, a indicação de Raquel Dodge tinha todos os ingredientes para ser um dado positivo na gestão do próprio Temer, por colocar num posto importante uma mulher, que se soma a outras duas – Cármen Lúcia, no STF, e Laurita Vaz, no Superior Tribunal de Justiça – no topo da estrutura de poder. No entanto, o que se fala, agora, é seu périplo pelo gabinete dos deputados, em busca de aprovação, e como irá lidar com muitos deles, que, em algum momento, serão por ela denunciados.
Equivoca-se, porém, os que tratam sua indicação como um dado a favor do presidente e dos seus ministros citados na Lava Jato. A procuradora tem um histórico de luta contra a corrupção e não transige com ilícitos e, muitos menos, com o jogo político que sempre marca as escolhas para tais postos. O ministro Edson Fachin, a despeito de ter sido indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em momento algum, abriu mão de seus conceitos, da mesma forma que Joaquim Barbosa, que colocou boa parte do PT sob seu julgamento, embora tenha sido indicado pelo ex-presidente Lula.
Trabalhar com a ideia de que a indicação indexa o homenageado ao padrinho é um erro que já deveria ter sido superado. O viés político dos ministros, de fato, tem chamado a atenção, especialmente Gilmar Mendes, que atua como consultor em momentos críticos, mas nem ele põe no voto suas preferências, detendo-se nos autos, embora, como os demais, tenha o direito ao livre convencimento. Quem discorda recorre.