Além dos autos
Decisões de ministros do STF com forte viés político levam apreensão às várias instâncias, ora preocupadas com as próximas decisões
O habeas corpus a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previsto para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal na próxima quarta-feira, poderia ser uma ação comum não fosse pelo personagem e pelas circunstâncias. Nome que o Partido dos Trabalhadores mantém na agenda como seu candidato à Presidência, o ex-chefe do Governo quer não apenas se livrar de uma possível prisão mas também se colocar apto a disputar as eleições de outubro. Uma decisão desfavorável o coloca na lista de réus condenados em segunda instância, e, portanto, sujeito a ter sua liberdade restringida, mas também sem chances de tentar voltar ao Palácio do Planalto, no qual esteve durante oito anos.
E é aí que reside a questão. O STF, por mais uma vez, já decidiu, por maioria mínima, que o número de recursos não tem limites até uma sentença transitada em julgado; a condenação em segunda instância permite o recurso, mas manda o réu para o cárcere até uma sentença definitiva de mérito. Os ministros, porém, não deram, até agora, uma decisão final sobre o tema, muitas vezes sobrestado pela própria Corte. O plenário terá de novo a palavra, e o resultado é incerto.
A incerteza se baseia nas atitudes dos ministros, que têm protagonizado cenas que mais parecem um jogo político do que um ciclo de interpretação da norma legal. Na semana passada, o ministro Dias Toffoli revogou uma decisão do colega Luiz Fachin – algo pouco comum – e mandou para a casa o deputado Paulo Maluf sob a justificativa de razões humanitárias, uma vez que o preso é idoso e tem várias complicações de saúde. O motivo seria nobre se o ministro tivesse uma visão holística do sistema penitenciário. Há milhares de presos em condições semelhantes que, por fazerem parte do andar de baixo, não têm meios para recorrer à última instância. Por isso, continuarão presos.
Ademais, o mesmo Toffoli teve uma interpretação própria de uma decisão do Senado que cassou o mandato do então senador Demóstenes Torres e o deixou inelegível por oitos anos. O ministro acolheu seus argumentos e, embora não lhe devolvesse o mandato, o considerou apto a participar das eleições de outubro.
Ações dos ministros têm sido pela via do individualismo com decisões que contrariam, sobretudo, o princípio da razoabilidade. Todos têm o livre convencimento, mas as razões têm sido obscuras, o que leva a crer que tudo pode acontecer na sessão de quarta-feira com repercussões graves seja qual for o resultado. Não teriam se o STF ficasse restrito aos autos em vez do jogo político que tem perpassado suas decisões.