Fora de controle
Manifestações ocorrem no momento mais crítico da pandemia do coronavírus, provocando aglomerações, fator que induz a mais contaminação
Em meio à pandemia do coronavírus – que por si só implica isolamento social possível – as ruas estão em efervescência no Brasil e nos Estados Unidos em decorrência de situações distintas, mas reveladoras do paiol de pólvora incitado pelas próprias lideranças políticas. Nos EUA, o assassinato de um afrodescendente, mostrado ao mundo pelas redes sociais, aponta a degradação do sentimento humano, pois o policial branco, a despeito dos apelos, manteve a vítima sob seu joelho, ignorando as consequências e sem se preocupar com a filmagem do gesto. Está preso, mas tal dado não se esgota em si mesmo ante os antecedentes que estão se formando nos últimos tempos em solo americano. A intolerância racial se explicita sob diversas formas e chega ao limite por um crime de tal monta. O presidente Donald Trump, em vez de pacificar, coloca gasolina na fogueira com suas postagens. Ontem, em reunião com os governadores, defendeu o big stick, isto é, a prisão dos envolvidos em protesto.
No Brasil, manifestantes se enfrentaram domingo nas ruas de São Paulo e nas alamedas de Brasília por conta do incitamento que vem de cima, em nome de causas difusas, cujo alvo são as instituições, e pela reação de grupos de oposição ao Governo. Até então, somente os seguidores do presidente Jair Bolsonaro iam às ruas nas manhãs de domingo, agora, há o contraponto, agravado pelo enfrentamento em que a polícia de São Paulo, em vez da mediação, atuou mais para um lado do que para o outro. Melhor seria – e deveria – se tivesse somente apartado os manifestantes prós e contra, garantindo-lhes o direito de expressão.
A discussão em tela envolve os limites desse direito, pois é sob o argumento de poder se manifestar que grupos identificados com o presidente têm ido às ruas, postando-se em frente aos próprios públicos, como o STF, e defendido a volta do regime militar. O entendimento do ministro Alexandre de Moraes, que preside inquérito sobre fake news, é de que a pregação contra as instituições fere a Carta Magna, sobretudo quando ela se baseia em notícias deliberadamente falsas, mas capazes de motivar a militância. A pacificação desse imbróglio deve ser resolvida na Justiça. Para tanto, há um plenário no Supremo que precisa ser provocado a se manifestar.
O momento, no entanto, exige bom senso dos principais atores, a fim de evitar as ações que coloquem em xeque as instituições. Para tanto, as próprias lideranças devem insistir no apaziguamento, uma vez que esticar a corda leva ao pior dos mundos. Para o próximo domingo, está marcada uma manifestação nacional contra o Governo, que também está no direito de expressão, mas sob o risco de, em havendo confronto, descambar para resultados danosos.
E, finalmente, no momento em que já se discute a flexibilização do setor produtivo, tais ações redundam em aglomerações de grande monta, contra tudo que a ciência prega para o combate à pandemia.