Futuro da BR-040, entre Rio e Juiz de Fora, segue indefinido
ANTT estima leilão e assinatura de novo contrato para 2023, mas estudos continuam sem conclusão mesmo após quatro anos
Quatro meses depois de a Concer, empresa que administra a BR-040, no trecho entre Juiz de Fora Rio de Janeiro, conseguir, por meio da Justiça, a extensão do contrato de concessão por 717 dias, o futuro da rodovia segue indefinido. Até o momento, não há sinalização para um novo processo licitatório para definir a empresa que deverá explorar o trecho a partir de 2023 e, enquanto isso, permanecem interrompidas, sem qualquer sinalização de retomada, obras estruturais importantes, como a finalização de viadutos inacabados e um túnel que substitui parte da subida da Serra de Petrópolis.
A Concer assumiu a administração do trecho em março de 1996, em contrato inicialmente válido por 25 anos. Pelo que foi assinado na ocasião, o encerramento da concessão se daria no último dia de fevereiro deste ano. Como o processo para uma nova licitação duraria ao menos mais dois anos, a manutenção da rodovia passaria a ser de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) a partir do dia 1º de março, até que o trâmite burocrático fosse concluído. No entanto, há três dias do final do contrato, a Justiça Federal concedeu duas liminares favoráveis à concessionária em razão de alegados desequilíbrios econômico-financeiros no contrato de concessão, cuja compensação seria feita através da prorrogação pelos 717 dias, atualmente em vigor.
O revigorado prazo de concessão, com os 23 meses extras, termina em 16 de fevereiro de 2023, caso não haja nova revisão judicial. Porém, ainda não há definição sobre a modelagem do processo licitatório que determinará a nova administradora da BR-040, que ainda “será definida pelo Ministério da Infraestrutura (Minfra)”, de acordo com nota enviada à reportagem da Tribuna pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). A Agência ainda lembrou que os estudos prévios às licitações são de responsabilidade do Ministério da Infraestrutura, através da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Questionada sobre a nova concessão, a ANTT afirmou que “só saberemos responder após definida essa modelagem (da EPL)”.
A Agência ainda lembrou que, caso um novo processo licitatório não seja concluído até o final da atual administração da rodovia, “o trecho volta a ser administrado pelo Dnit”, como aconteceria em fevereiro deste ano. Entretanto, o órgão garantiu que o vínculo com a Concer não será prorrogado.
Contatado pela reportagem, o Dnit garante estar preparado caso seja necessário assumir o trecho, seja ao final do prazo da atual decisão judicial concedida à Concer ou por eventual revogação antes do previsto. Segundo o Dnit, existem “contratações encaminhadas, aguardando a assunção do trecho. Somente depois disso a autarquia pode contratar intervenções no segmento”, afirma, em nota, se referindo aos serviços de manutenção da rodovia, que passariam para o guarda-chuva do órgão.
Estudos desde 2017
De acordo com painel de monitoramento da ANTT, a assinatura de um novo contrato de concessão está estimada apenas para o primeiro trimestre de 2023. No entanto, o processo ainda tem uma série de estágios a passar, uma vez que permanece em fase de estudos, que já perdura desde o primeiro semestre de 2017.
Passada a atual fase, ainda são necessárias a realização de audiência pública, antes da elaboração de acórdão no Tribunal de Contas da União (TCU). Posteriormente, ocorre a publicação do edital da concessão, previsto para o terceiro trimestre de 2022; o leilão para a definição da empresa que ofereça a menor tarifa, estimada para o quarto trimestre de 2022; e, por fim, a assinatura do contrato, prevista para o primeiro trimestre de 2023.
Deputado cobra solução ainda em 2022
No próximo dia 2 de julho, ocorre uma audiência pública virtual na Câmara dos Deputados para tratar da estruturação da concessão da BR-040, no trecho entre Rio de Janeiro e Juiz de Fora. O pedido para a reunião partiu do deputado federal Hugo Leal (PSD/RJ), de Petrópolis, membro da Comissão de Viação e Transportes. O encontro deverá ter a presença de representantes do Ministério da Infraestrutura e do Tribunal de Contas da União, além do diretor-geral da ANTT, Alexandre Porto, e do diretor-geral do Dnit, general Antônio Santos Filho.
No requerimento para a audiência, o deputado lembra a demora para uma conclusão dos estudos técnicos, além de abrir questionamentos sobre a falta de prazo para a análise técnica e sobre a aptidão do Dnit para assumir a administração da rodovia. Leal ainda pede que sejam apresentadas, “em primeira mão, as mudanças na estrutura do contrato almejado. Todas as questões aqui apresentadas têm impacto significativo na vida da população que trafega nessa via e merecem urgentemente ser aqui debatidas”, justifica na proposição.
“A gente quer saber como vai ficar, qual é a notícia que o Ministério (da Infraestrutura) dá sobre a questão do acordo judicial, se teve algum acordo com relação ao embate com a Concer, quais foram as obras prioritárias que foram estabelecidas. E também o que eles têm em mente para o próximo processo licitatório”, explica Hugo Leal em conversa com a reportagem.
O deputado já havia realizado outra audiência pública em 2019, quando defendeu o fim do acordo com a Concer pelo suposto descumprimento de uma série de obrigações contratuais por parte da empresa.
De acordo com o parlamentar, as cobranças permanecem. “Eu defendo que, o mais rápido possível, seja feito o processo licitatório. Preciso de rapidez, que isso dê resultado logo. Não pode ficar com a situação indefinida, porque aí não tem investimento e fica todo mundo na mão da concessionária atual, o que não é o melhor dos mundos”, conclui Leal.
Apenas serviços de manutenção são mantidos
Atualmente, a Concer mantém “os serviços de operação, conservação e manutenção da rodovia, mantendo também o monitoramento, atendimento mecânico e médico pelo regime de tempo integral”, de acordo com nota da concessionária. A empresa afirma que, entre março e junho, “houve uma série de obras voltadas a recuperar o pavimento, sobretudo de trechos da Serra de Petrópolis”.
A Concer contabiliza, neste ano, 20.870 atendimentos entre janeiro e maio, entre assistência mecânica (9.672), inspeções (6.067) e guinchamentos (5.131). As equipes médicas ainda atuaram em 806 ocorrências. Entretanto, as obras de maior complexidade previstas em contrato, principalmente a da nova subida da Serra de Petrópolis, permanecem paralisadas desde junho de 2016.
Embate judicial
A exploração, pela Concer, dos 180 quilômetros da BR-040 compreendidos entre Juiz de Fora e Rio de Janeiro, começou em 1º de março de 1996 e terminaria em 28 de fevereiro de 2021. Na ocasião, o Dnit se articulou para assumir a administração da rodovia a partir do dia 1º de março, incluindo, entre os serviços que seriam repassados para o Departamento, “obras de manutenção da rodovia, guarda patrimonial e serviço de guincho”. Já os atendimentos médicos ficariam sob a responsabilidade dos governos do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, a depender do trecho da rodovia no qual ele fosse necessário.
Com a provisória administração do órgão público, os pedágios também seriam suspensos em todo o trajeto. Atualmente, são três praças de pedágio no trecho, segundo informações do portal da ANTT: em Duque de Caxias e em Petrópolis, em território fluminense; e em Simão Pereira, já em Minas Gerais. Os valores das tarifas variam de R$ 5,80 para motocicletas a R$ 11,60 para automóveis, podendo chegar a até R$ 69,60 para caminhões e tratores de seis eixos.
A Concer, no entanto, alegava desequilíbrios no contrato original e reivindicava créditos a receber, principalmente por conta das obras da nova subida da Serra de Petrópolis. A empresa ainda alega ter feito investimentos acima do previsto no contrato original. “A própria ANTT, em levantamento feito em 2015, já registrava investimentos 146% acima do que foi contratado em 1995”, avaliou a concessionária, na ocasião.
A Concer ainda atribui à falta de repasses de verbas públicas pelo Governo federal desde 2015 a paralisação das obras previstas em contrato. “Ao descumprir o contrato de concessão, não observando os meios de custeio da obra, o poder concedente causou a paralisação do último trecho da BR-040 a ser modernizado pela companhia, que chegou a executar quase 50% da NSS (Nova Subida da Serra) até julho de 2016. A inadimplência prejudicou a concessão, que entrou em recuperação extrajudicial, e os usuários, que continuam trafegando pela pista obsoleta da subida da serra”, argumentou a empresa.
Imbróglio da obra
A Concer começou, em 2013, as obras para duplicar a pista e construir um túnel na altura da serra de Petrópolis (RJ). Somando todas as intervenções, as obras tinham custos superiores a R$ 1 bilhão, valor revisto pela concessionária em 2017, e substituiriam a atual passagem na serra fluminense. Na ocasião, as operações já carregavam críticas, pois, pelo contrato celebrado entre a concessionária e o Governo federal na década de 90, a construção deveria ter sido realizada entre 2001 e 2006.
Quando foi elaborado o contrato de concessão, em 1995, a construção da nova subida estava estimada em R$ 80 milhões (cerca de R$ 439 milhões, em valor corrigido). Com a discrepância de valores, a ANTT firmou, em 2014, um aditivo contratual assumindo o pagamento desta diferença em três parcelas, por meio de aportes dos cofres públicos. O acordo ainda previa a prorrogação da concessão caso não houvesse o pagamento de parcelas pela União.
Em 2017, antes do pagamento de qualquer parcela do aporte financeiro, a ANTT anulou a parte do aditivo contratual que previa mais tempo de concessão. A Concer afirma ter mantido as obras com recursos próprios, chegando a concluir 50% da intervenção, mas criando um rombo nas contas da empresa. Desde então, era requerido pela concessionária um “reequilíbrio” contratual pelos valores despendidos na manutenção das obras.
Em contrapartida, o Ministério Público Federal (MPF) alegava uma série de ações civis relacionadas a problemas na estrada para defender um novo processo licitatório para retomar a construção da subida da serra. As obras tinham a conclusão prevista inicialmente para 2016, prazo que foi revisto para 2017 logo no primeiro atraso no repasse de verbas pelo Governo federal. No entanto, as intervenções foram inativadas e não retomaram desde então.
Em 2018, a ANTT abriu processo contra a Concer para investigar o descumprimento de normativas contratuais. A análise poderia resultar, inclusive, na cassação da concessão, o que não ocorreu. Pelo contrário: em 2021, ao chegar o prazo final do contrato, a concessionária conseguiu, após um primeiro revés judicial, decisão liminar na Justiça para ampliar o período de exploração da BR-040.