Estrutura precária de segurança preocupa visitantes e funcionários do Parque Estadual do Ibitipoca

Falta de equipamentos básicos e poucos funcionários evidenciam fragilidade em relação a dispositivos de proteção e socorro de um dos destinos turísticos mais procurados de Minas Gerais


Por Mariana Floriano, sob supervisão de Fabíola Costa

11/12/2022 às 07h00

Cenário que compõe um dos destinos turísticos mais visitados de Minas Gerais é também a razão de seus maiores riscos (Foto: Leonardo Costa)

“Você é responsável por sua segurança.” A frase inicia a seção de orientações no site oficial do Parque Estadual do Ibitipoca, em Lima Duarte, município a 63 quilômetros de Juiz de Fora. Com um limite de mil turistas por dia, os roteiros no parque podem ser feitos de forma autoguiada, através das cachoeiras, grutas e mirantes, rodeados por uma vegetação que alterna entre campos rupestres, campos de altitude e florestas. No entanto, o cenário que compõe um dos destinos turísticos mais visitados de Minas Gerais é também a razão de seus maiores riscos.

A beleza e o perigo se encontram desde a origem do nome Ibitipoca. O termo, em tupi, significa “montanha estourada” e faz alusão aos raios que frequentemente caem na serra. Além disso, o parque abriga uma vasta fauna e flora preservadas que contam com uma diversidade de espécies animais, algumas peçonhentas, que se enredam entre as grutas e trilhas.

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O engenheiro ambiental e coordenador do Núcleo de Análise Geoambiental (Nagea) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Cézar Barra, estuda desde 2005 as fragilidades do parque e afirma que a própria estrutura geológica do local o torna vulnerável. O parque fica sobre uma formação de quartzito, solo que proporciona atrativos como o Paredão de Santo Antônio, com dois mirantes e um bolsão de água na base.

“É um dos locais mais frequentados, por ficar perto da portaria e do restaurante, e também é um dos mais perigosos”, afirma Cézar. De acordo com ele, assim como ocorreu em Capitólio em janeiro deste ano, blocos de quartzito podem se soltar do paredão devido à erosão. “Os decks de madeira do mirante foram instalados muito próximo ao local em que as placas estão desprendendo. Todo o Paredão de Santo Antônio é uma área de risco no qual as pessoas transitam diariamente.”

Outros pontos que merecem atenção, segundo Cézar, são o Lago Negro e a Janela do Céu. “No Lago Negro a proteção é apenas em uma parte, na outra a pessoa pode cair de uma altura de 5, 6 metros, dentro da água. A Janela do Céu tem um fluxo muito intenso de turistas, que se arriscam próximo à beirada para tirar fotos. Deveria ter um funcionário do parque para melhorar o controle e diminuir o risco de tragédias.”

Para definir o limite de visitantes diários no parque, um estudo de capacidade foi feito pela UFJF. “O cálculo foi baseado nessas fragilidades, nas falhas de drenagem das trilhas, nas erosões, trechos de cobertura vegetal, questões que são relevantes para segurança do ecossistema e do turista. Atualmente o parque tem capacidade para receber mil pessoas por dia, um receio que nós temos é que esse número aumente. Há discussões envolvendo a concessão [‘para fins de exploração econômica de atividades de ecoturismo e visitação’, segundo o edital] que querem aumentar essa capacidade para 4 mil, quatro vezes o que indicamos nos nossos estudos. Se já deu problema com mil, certamente essa frequência de problema vai aumentar bastante.”

Despreparo e falta de equipamentos

A discussão sobre a falta de suporte oferecido pelo parque estadual voltou à tona no fim de novembro. Alex Mendes, de 48 anos, guia credenciado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), teve um mal súbito enquanto realizava uma trilha na região conhecida como Cachoeirinha. Uma médica que testemunhou o ocorrido conversou com a Tribuna, mas preferiu não ter seu nome identificado.

Foi a primeira vez que ela e seu marido, também médico, visitaram o Parque Estadual do Ibitipoca. O casal, morador de Mogi das Cruzes, em São Paulo, ouviu os pedidos de socorro do grupo que estava com Alex no momento em que o guia passou mal. “Nós chegamos lá e uma médica e uma enfermeira, que estavam no grupo guiado pelo Alex, já estavam realizando as manobras de RCP (reanimação cardiorrespiratória)”. A médica conta que ela e o marido ajudaram no revezamento da manobra, enquanto outros membros do grupo tentavam contato com os funcionários do parque.

“Depois da gente finalmente ter conseguido contato com a portaria, um funcionário chegou em uma moto, sem nada. Ele queria ajudar, mas estava sem nenhuma equipamento, nenhuma maca, nada.” A médica, que por quatro anos trabalhou em serviços de resgate, conta que ficou impressionada com o despreparo do parque para atender esse tipo de situação. Após cerca de uma hora de massagem cardiorrespiratória, Alex já não tinha sinais vitais e nenhuma ambulância ou transporte aéreo havia chegado para o socorro. “Umas três horas depois, quando a gente já estava chegando ao final da trilha, vimos um helicóptero se aproximar e, mesmo assim, ele ficou sobrevoando o lugar sem saber onde pousar.”

De acordo com a médica, a situação poderia ter sido evitada caso o parque contasse com um suporte básico para esse tipo de evento. “Um paciente novo como o Alex poderia ter sido reanimado caso o parque tivesse um DEA (desfibrilador automático externo), que é um equipamento muito simples, feito para qualquer leigo usar.” Em Minas Gerais a lei 15.778 de 2005 torna obrigatório a presença do desfibrilador cardíaco em locais com circulação diária igual ou superior a 1.500 pessoas. Como o limite do parque é de mil visitantes por dia, não há obrigatoriedade do equipamento, mesmo sendo um recurso básico de primeiros socorros.

Ela também afirma que falta informação no parque. “Eu mesma não sabia o quanto a trilha da Janela do Céu era pesada. As pessoas leem a placa e não sabem que vão ter que andar por aproximadamente seis horas, com risco de esgotamento físico, sem pontos para beber água e com trechos mais íngremes.” A médica ainda aponta que o Município de Lima Duarte não conta com soro antiofídico, usado para tratar picadas de serpentes peçonhentas. “Isso é muito grave, porque em um parque onde há muitas cobras, como Ibitipoca, uma picada pode ser fatal. Até o paciente receber o atendimento e depois ter que se deslocar para cidade mais próxima que tenha o soro, ele pode não resistir.”

A Prefeitura de Lima Duarte, município no qual o parque está situado, confirmou que não há disponibilidade de soro antiofídico. De acordo com a Administração, o soro está centralizado no Hospital de Pronto Socorro de Juiz de Fora, que fica a cerca de 90 quilômetros do distrito de Conceição do Ibitipoca. “Devido à escassez do imunobiológico há necessidade do uso racionalizado deste insumo”, afirmou a Prefeitura em nota.

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Foto: Leonardo Costa

Sucateamento de recursos

O Parque Estadual do Ibitipoca é um dos mais rentáveis de todo o estado de Minas Gerais, no entanto, funcionários apontam o sucateamento de recursos por parte do estado. A administração do parque é de responsabilidade do Instituto Estadual de Florestas (IEF). No início da semana, a Tribuna entrou em contato com o IEF através da assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), porém, até a edição deste texto, não obteve retorno quanto às questões levantadas ao longo da reportagem.

A guia do Parque Estadual do Ibitipoca Ana Paula Brandão Diniz afirma que a sensação é de abandono. De acordo com ela, frequentemente os funcionários levantam vaquinhas para compra de equipamentos básicos, como macas. “Outro dia a única maca que tinha quebrou e eles mandaram mensagem no grupo para a gente fazer uma vaquinha e comprar outra. Isso acontece sempre, já teve vaquinha para comprar placas, para pagar gasolina do carro de apoio. Sendo que Ibitipoca é um dos parques que mais gera renda no estado e parece que nós somos os responsáveis pela manutenção dele.”

A falta de guarda-parques também é um assunto que preocupa. De acordo com Ana, a quantidade de funcionários não dá conta da extensão da reserva, o que diminui a frequência das rondas, tão importantes para a segurança dos turistas. “Não estamos exigindo recursos milionários, queremos o básico para dar conta do fluxo de visitantes. A impressão que eu tenho é que eles estão sucateando o parque a fim de justificar que depois da concessão vai ficar melhor.”

Ana ainda afirma que os guias e funcionários do parque possuem o curso de suporte básico de vida, atualizado com frequência, porém sente falta de práticas que se adequem à realidade específica de Ibitipoca. “Outro dia teve um curso no qual foi falado muito de zoologia e botânica, que são pontos interessantes, mas não houve um foco na segurança, que para mim é o mais importante. Aqui nós temos muitas tempestades de raios, e explicar o que fazer nessas situações é essencial.” A guia finaliza dizendo que o parque deveria ter um plano de gestão de segurança. “Hoje em dia a segurança depende da consciência da pessoa. A gente tenta alertar, mas fica a cargo do turista saber seus limites.”

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