Câmara não aceita veto a futuras homenagens a escravocratas e pessoas ligadas à ditadura

Iniciativa proposta pela vereadora Laiz Perrut (PT) foi considerada inconstitucional por parlamentares


Por Gabriel Magacho, estagiário sob supervisão da editora Fabíola Costa

24/11/2022 às 20h09

A Câmara Municipal de Juiz de Fora (CMJF) rejeitou, em sessão realizada nesta quinta-feira (24), um projeto de lei (PL) que pretendia vetar futuras homenagens municipais, como nomes de ruas e monumentos, a pessoas cuja trajetória esteja relacionada à escravidão ou aos períodos compreendidos por ditaduras antidemocráticas no Brasil. A matéria, idealizada pela vereadora Laiz Perrut (PT), foi vetada em votação nominal que julgava o parecer da Comissão de Legislação e Justiça, que julgou o PL como ilegal e inconstitucional, ainda que o próprio parecer da Diretoria Jurídica da Câmara indicasse a legalidade e a constitucionalidade, sugerindo apenas uma alteração em um dos dispositivos listados na iniciativa.

Em seu parecer, o presidente da Comissão de Legislação e Justiça, vereador Luiz Otávio Coelho (Pardal – União), justificou que “impor as alterações determinadas (…) em decorrência da mudança de comportamento da sociedade, não nos parece o mais adequado, pois decorrem de atos jurídicos perfeitos já consolidados e finalizados”. Já para o vereador Vagner de Oliveira (PSB), que também foi acompanhado pelo outro membro do colegiado, vereador Nilton Militão (PSD), o projeto de lei poderia vir a criar “uma imposição ao Poder Executivo, desrespeitando o princípio constitucional de separação dos Poderes”.

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No texto inicial, que teve sua tramitação iniciada em fevereiro, estariam proibidas, no âmbito do Poder Público municipal, homenagens “a escravocratas e apoiadores da violação de direitos humanos e da suspensão dos princípios e valores do Estado Democrático durante a ditadura militar instaurada no Brasil entre 1964 e 1985”. A proposta também vetaria a instalação de estátuas, bustos e monumentos em alusão a estas figuras, assim como a atribuição delas em nomes de prédios, rodovias, ruas, praças, logradouros, repartições públicas e bens de qualquer natureza pertencentes ou sob gestão do Município. A vedação, portanto, também iria se estender a pessoas cujo nome constasse no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei federal 12.528/2011.

Para vereadora, veto demonstra ‘visão errônea e conservadora’

Indagada pela Tribuna sobre o arquivamento de seu projeto de lei, Laiz declarou estar bastante decepcionada com o veto realizado por seus colegas, tendo em vista que, em sua opinião, esta seria uma questão diretamente relacionada aos direitos humanos, além de ser muito significativa para as pessoas negras, ao ponto da existência da “necessidade de valorizar quem de fato ajudou a construir o nosso país, e não quem ajudou a desconstruí-lo”, afirmou a parlamentar, que também declarou à reportagem que irá submeter, no próximo ano, para apreciação dos parlamentares, um projeto com os mesmos ideais e compromissos.

“Mesmo com o meu comprometimento de alterar o projeto de lei, para assim seguir a única orientação exposta pela Diretoria Jurídica da Câmara, que indicou a mudança de uma palavra no artigo 6º, eu fui ao plenário e fiz uma fala defendendo nosso projeto e pedindo aos vereadores para que a tramitação dele continuasse nas outras comissões. Entretanto, eles optaram pela manutenção do veto, o que, na minha opinião, demonstra uma visão muito errônea e conservadora da Casa. As pessoas costumam falar que a gente está automaticamente mudando o nome das ruas, e não é nada disso. O projeto veta, justamente, homenagens futuras a escravocratas ou membros ativos da ditadura militar”, ressalta.

Proposta esbarra em outra legislação municipal

Ainda que projetos de lei com os mesmos propósitos já tenham sido discutidos e aprovados em outros municípios e estados do país, como no caso da cidade de Olinda, em Pernambuco, que transformou em norma jurídica uma proposta basicamente igual à apresentada pela vereadora juiz-forana, a Lei municipal 12.871/2013 determina que as mudanças de nomes de vias públicas só poderão ocorrer em casos específicos. Advinda de um projeto de lei do ex-vereador José Fiorilo, o instrumento aponta que, para que uma troca na denominação de uma via ocorra, será necessária a autorização da maioria – metade mais um – dos moradores da rua em questão.

Assim, as modificações ficam proibidas, salvo em caso de homônimos ou a similaridade ortográfica ou fonética, que possam causar dúvidas na identificação do endereço. Além desses dois casos, a única outra hipótese admitida refere-se aos nomes que exponham os moradores a situações vexatórias. Em reportagem publicada na época em que o atual projeto de lei rejeitado foi lançado, a Tribuna demonstrou que discussões similares já ocuparam o plenário da Câmara em um passado recente. 

Em 2012, por exemplo, o então vereador, hoje deputado estadual, Roberto Cupolillo (Betão, PT) anunciou a intenção de apresentar uma proposta para modificar o nome da Avenida Presidente Costa e Silva pelas mesmas razões que embasam o projeto de lei apresentado por Laiz Perrut. Entre outras situações, o aceno de Betão motivou o ex-vereador José Fiorilo a propor limitações às possibilidades de alteração nas denominações de logradouros públicos.

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