Poucos pré-candidatos recorrem à vaquinha virtual

A arrecadação de recursos por meio de financiamentos coletivos pela internet é uma novidade na atual pré-campanha. Entre 14 detentores de mandato com domicílio eleitoral em JF que anunciaram pré-candidaturas, apenas dois já divulgaram sites para o recebimento de doações


Por Renato Salles

17/06/2018 às 07h00- Atualizada 20/06/2018 às 13h04

Pestana usa plataforma on-line para pedir doações (Foto: Fernando Priamo)

Desde o último dia 15 de maio, pré-candidatos às eleições de outubro estão autorizados a divulgar ações para a arrecadação de recursos de campanha por meio de financiamento coletivo pela internet, pelos modelos mais conhecidos como crowdfundings ou vaquinhas virtuais. Apesar de alguns nomes cotados para disputar a Presidência da República já terem lançado plataformas on-line para o recebimento de doações, entre eles, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), João Amoêdo (Novo), Álvaro Dias (Podemos) e Ciro Gomes (PDT), poucos foram os nomes de quadros locais que tornaram públicas suas campanhas para a captação de recursos. Entre os 14 detentores de mandato com domicílio eleitoral em Juiz de Fora que já manifestaram a intenção de disputar uma cadeira parlamentar nas eleições de outubro, apenas o vereador Roberto Cupolillo (Betão, PT), que deve tentar uma vaga na Assembleia Legislativa (ALMG), e o deputado federal Marcus Pestana (PSDB), que vai correr pela reeleição, já divulgaram seus sites para a doação por meio de suas páginas em redes sociais, como o Facebook.

No último dia 5 de junho, a reportagem questionou, por e-mail, os pré-candidatos locais detentores de mandato sobre quais suas intenções a respeito de valerem-se ou não das plataformas de financiamento coletivo on-line para financiarem suas campanhas. A maioria, no entanto, não respondeu ao levantamento. Entre aqueles que se manifestaram, o gabinete do deputado federal Júlio Delgado (PSB) afirmou que a possibilidade de recorrer às chamadas vaquinhas virtuais está sendo debatida no âmbito partidário. Da mesma forma, a equipe da deputada federal Margarida Salomão (PT) informou que a parlamentar vai se valer da ferramenta e deve, em breve, divulgar o link para as doações. Já a assessoria do deputado estadual Márcio Santiago (PR) afirmou que o parlamentar ainda avalia a possibilidade. Os três devem tentar a reeleição em outubro. Presidente da Câmara, o vereador Rodrigo Mattos (PHS), que vai buscar um mandado na Câmara dos Deputados, é outro que analisa o uso da arrecadação virtual. Por fim, outro que se posicionou foi o vereador Adriano Miranda (PHS), cotado para disputar uma vaga na ALMG e que também avalia se irá recorrer ou não a plataformas de financiamento coletivo pela internet como forma de arrecadação de recursos.

PUBLICIDADE

Até então, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já deferiu o cadastro de 44 empresas que estão aptas a disponibilizar os serviços. A reportagem ouviu dois responsáveis por plataformas on-line de crowdfunding deferidas pelo TSE, e a expectativa é de que a divulgação de campanhas de arrecadação se intensifique nas próximas semanas e chegue ao ápice no início de agosto, mês em que serão oficializadas as candidaturas – 15 de agosto é a data limite para os partidos e as coligações registrarem os seus candidatos na Justiça Eleitoral. “A percepção é esta. As pessoas estão indo com cautela com esta questão do financiamento coletivo. É uma matéria nova, autorizada para estas eleições. Logo as pessoas têm dificuldade de perceber que isto é algo viável”, considera Alberto Maioni, um dos responsáveis pela plataforma de doação eleitoral doeja.com.br.

Betão também já utiliza internet para alçar campanha (Foto: Marcelo Ribeiro)

Para que as ferramentas deslanchem, Maioni afirma que ainda é preciso uma maior compreensão por parte tanto de pré-candidatos como dos eleitores. “Até recentemente, os financiamentos eram feitos por pessoas jurídicas, e os candidatos já chegavam nas campanhas eleitorais com tudo praticamente pronto em termos de recursos. Assim, a participação do eleitor se dava somente na hora do voto. A ideia das vaquinhas coletivas é, de fato, a de trazer as pessoas para doarem e ajudarem seus candidatos a ganharem as eleições. Como a campanha, efetivamente, vai começar a partir do registro, em agosto, está todo mundo ainda se preparando para iniciar o jogo a partir de agosto. Porém, já é possível um engajamento. Mas é uma forma nova para a população, para os candidatos e para os partidos. Tanto que, nas plataformas que já estão funcionando, ainda não há muitas doações”, avalia o profissional. Até a última terça-feira (12), por exemplo, dos 11 pré-candidatos cujas campanhas de arrecadação já haviam sido veiculadas pelo doeja.com.br, o total captado somava apenas R$ 2.491.

‘Boa narrativa para pedir recursos’

Diretor do votolegal.com.br, Thiago Rondon faz uma análise mais otimista e considera que a procura e o interesse de pré-candidatos a serviços e plataformas de financiamento coletivo on-line têm sido “muito alta”. Rondon considera, no entanto, que a percepção de que o número de campanhas de arrecadação virtual ainda é pequeno diante do grande contingente de quadros que já manifestaram publicamente suas pré-candidaturas se deve ao cuidado que os possíveis postulantes a cargos públicos têm tido com a nova ferramenta de captação de recursos. “A grande questão é que o TSE homologou a maioria das empresas uma semana antes do prazo definido pela legislação para o início da arrecadação”, afirma o profissional, avaliando que a demora da Justiça Eleitoral atrasou o planejamento de muitos pré-candidatos, o que também teria sido comprometido pela recente greve dos caminhoneiros.

Margarida deve começar a fazer uso das ferramentas on-line em breve (Foto: Fernando Priamo)

Para Rondon, a sensação de que as pré-campanhas ainda não apostaram suas fichas no financiamento coletivo on-line se justifica pelo fato de que as candidaturas majoritárias, que chamam mais a atenção do eleitorado, requerem um maior planejamento. “Quanto menor a campanha, menores são as preocupações com planejamento. Até agora, temos visto o lançamento de campanhas de arrecadação de muitos pré-candidatos a deputados operando na plataforma. Postulantes à Presidência, aos governos, e ao Senado, como têm campanhas mais sofisticadas, terão também um trabalho maior para lançar estas campanhas de crowdfunding.” Rondon também considera que um maior conhecimento do novo modelo de arrecadação deve fomentar os interesses de pré-candidatos e eleitores. “A grande questão está no aprendizado. Não é só colocar no ar. A plataforma é apenas uma parte do crowdfunding. A parte mais importante é o candidato construir uma boa narrativa para que possa pedir recursos e que as pessoas entendam que aquela será uma doação que vale a pena”, afirma.

Cobrança por serviço é feita por meio de percentual sobre arrecadação

Júlio delgado diz que possibilidades estão sendo discutidas pelo partido (Foto: Marcelo Ribeiro)

A realização de crowdfundings, vaquinhas virtuais e financiamentos coletivos segue modelo similar adotado nos processos eleitorais dos Estados Unidos e foi inserido na legislação eleitoral brasileira pela Lei 13.488/2017. Assim, desde o último dia 15 de maio, os eleitores já podem doar para candidatos – que ainda se apresentam como pré-candidatos, sendo, portanto, vedado o pedido direto de voto – por meio de plataformas on-line. Pelas novas regras, os valores arrecadados – que também deverão ser públicos – só serão destinados, de fato, às campanhas quando a candidatura for registrada, a partir de agosto. Até lá, os recursos permanecem retidos com as empresas de financiamento coletivo, que deverão devolver a quantia aos doadores em caso de o político não consolidar sua candidatura.

As duas plataformas escutadas pela reportagem adotam modelos semelhantes de cobranças. Nos dois casos, são cobrados percentuais dos valores arrecadados pelas pré- campanhas. “Nossos números são abertos. Hoje temos um percentual único, que engloba todas as taxas, que são pagas com 10% da arrecadação – manutenção do próprio sistema, como serviços contra fraudes, impostos, taxas de repasses, operadora de cartão de crédito”, explica Thiago Rondon. O profissional detalha ainda que, nas situações em que o pré-candidato não viabilize sua candidatura, caberá às plataformas fazer a devolução dos valores arrecadados aos doadores. “Nestes casos, são descontados os valores relativos às taxas cobradas pelo serviço. Quando o doador faz sua doação, ele tem conhecimento das taxas de serviço”, afirma o profissional.

Para cientista político, nova modalidade de doação deve se consolidar de forma lenta

Para o cientista político e professor do Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper) Carlos Melo, a prática de doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais por meio de plataformas de financiamento coletivo pela internet não devem ser absorvidas de imediato pelo eleitorado brasileiro e, como tudo na política, a nova modalidade de arrecadação deve ser consolidar de forma lenta. “O brasileiro não tem o hábito de doar para campanhas políticas. Na verdade, a maior parte espera o contrário: que dos políticos possa vir algum tipo de ajuda ou favorecimento. Teremos, então, um desafio de transformação da cultura política”, considera o especialista, que lembra que o histórico recente de compras de votos por meio de recursos de campanhas oriundos de empresas ainda permanece vivo na memória de parte do eleitorado.

Márcio Santiago ainda avalia chances de utilizar plataformas (Foto: Olavo Prazeres)

Por outro lado, Melo admite que a nova ferramenta de arrecadação apresenta aspectos positivos, como a aproximação entre eleitores e candidatos, mas, ao menos em um primeiro momento, pode trazer dificuldades com relação à fiscalização das doações em questão. “Em tese, isto seria ou ainda será bom, reforçando vínculos e propiciando mais transparência. Todavia, ainda não é assim. Temo que nesse primeiro momento a fiscalização seja tão imprescindível quanto insuficiente. Este processo terá que ser acompanhado pela Justiça Eleitoral e pela mídia em geral. No caso dos candidatos a cargos majoritários, cuja visibilidade é muito maior, há maior possibilidade de ocorrer. No caso das candidaturas a deputados, penso que pela quantidade será mais difícil.”

O cientista político ainda considera que o atual momento de turbulência política pode afastar ainda mais o leitor dos pré-candidatos, impactando também nos resultados dos financiamentos coletivos. “Naturalmente, a descrença é enorme. A desconfiança em relação à qualidade e à sinceridade de propósitos dos políticos cresceu muito. Quantos candidatos conseguirão expressar o contrário, alterando essa percepção negativa e fazendo-se crer como instrumentos de renovação e mudança? Penso que poucos, pouquíssimos”, avalia Melo.

O conteúdo continua após o anúncio

Plataformas defendem caráter democrático de financiamentos coletivos

Os responsáveis por empresas que disponibilizam plataformas de arrecadação aos pré-candidatos, porém, defendem que as vaquinhas virtuais podem trazer benefícios às contendas eleitorais de outubro. “É importante que os doadores participem deste novo processo de doação. No histórico de corrupção, de maneira geral, como mostrado por operações como a Lava Jato, ficou claro que os grandes sistemas de corrupção começam em campanhas eleitorais. Isto acontece pelo fato de haver uma concentração muito grande de doações, seja de empresa ou do público. Quanto maior o número de doadores – não quantidade de doações – mais barato é o custo do voto, isto porque, quando as pessoas doam, elas se tornam basicamente militantes. Com isto, a tendência é de se criar campanhas mais baratas”, avalia Thiago Rondon, do votolegal.com.br.

Adriano miranda também não se decidiu sobre recorrer à internet (Foto: Olavo Prazeres)

No mesmo sentido, Alberto Maioni do doeja.com.br considera que o fomento às doações por meio dos chamados crowdfundings pode trazer avanços à democracia e reduzir a atual crise de representatividade observada entre eleitores e eleitos. “Ainda que o eleitor só possa doar R$ 2, por exemplo, ele irá fazer isto para aqueles candidatos em que acredita e, mais adiante, irá se sentir mais à vontade para cobrar. É um ganho para a democracia. É o início de uma mudança de cultura para que o cidadão possa ter uma maior participação de fato nas eleições.”

Desta forma, Maioni explica como devem proceder os eleitores dispostos a contribuir com as campanhas com as quais se identificam . “Ele tem que se preocupar com o fato de que a doação não pode ultrapassar 10% da renda anual bruta do ano passado. Isto vale mesmo para as pessoas que não declaram Imposto de Renda. É preciso também ter CPF e um cartão de crédito e débito válido e informar o endereço.”

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.