Protetores cobram melhorias no Canil Municipal em audiência na Câmara

Debates foram marcados por críticas à PJF, após denúncias de supostas irregularidades no abrigo público de animais; Município nega maus-tratos, e Polícia Civil apura o caso


Por Renato Salles

14/02/2022 às 21h16

Audiência lotou o plenário da Câmara Municipal nesta segunda-feira (Foto: Felipe Couri)

A Câmara Municipal de Juiz de Fora sediou uma audiência pública marcada por críticas de protetores de animais à condução do Canil Municipal pela atual gestão da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Realizada na tarde desta segunda-feira (15), as discussões aconteceram na esteira de denúncias recentes e de uma vistoria feita pela Polícia Civil no abrigo público, que apontou problemas como superlotação, abandono e deficiência na alimentação dos animais. Representantes da PJF voltaram a negar maus-tratos e sinalizaram a abertura das portas do espaço para estreitar o diálogo com os protetores.

Proponente da audiência, a vereadora Kátia Franco (PSC) considerou que as irregularidades podem estar relacionadas a indicações políticas. Em sua fala, na abertura dos trabalhos, a parlamentar apresentou três vídeos. Em um deles, um homem fez denúncias de supostos problemas no Canil Municipal, como o uso de um mesmo veículo para o transporte de animais sadios e doentes; superlotação; e possíveis maus-tratos. A vereadora atribuiu a fala a um funcionário do abrigo público. “Não escondi nada da Administração. Todos, sem exceção, sabiam da realidade vivida no canil. Para nenhum deles os problemas são novidades e nem para nós, protetores”, afirmou Kátia Franco.

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A vereadora ainda apontou problemas como a falta de ração e de medicamentos. “Venho aqui pedir aos colegas que escutem os animais. Eles nos pedem socorro”, diz a vereadora, que pediu aos colegas para assinarem um requerimento para a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), movimento que vem sendo capitaneado pela própria Kátia Franco e pelo vereador Sargento Mello Casal (PTB). Até então, a requisição já contava com uma terceira assinatura, a do vereador Bejani Júnior (Podemos). A abertura da CPI foi defendida em várias falas de protetores de animais que acompanharam a audiência pública. Para sua instalação, contudo, é necessário o apoio de um terço dos 19 vereadores que integram a atual configuração da Câmara, o que corresponde a sete assinaturas.

“A CPI não é nada mais que uma investigação. Se estiver tudo certo, que bom. Se não tiver, podemos colocar as coisas no lugar. O objetivo dessa audiência é mostrar como as coisas estavam caminhando errado”, resumiu Kátia. A abertura de uma CPI foi defendida, inclusive, por Ricardo Torga, presidente do Conselho Municipal de Proteção dos Animais. “Os problemas estão lá (no canil). São graves e são sérios. Falo como cidadão, acho que a CPI deve ser aberta e tudo ser apurado”, disse.

Ex-diretora do Canil Municipal, que deixou a função no início da atual Administração, Miriam Neder afirmou que, hoje, os protetores lutam pelo essencial, como ração e medicamentos, e cobrou uma maior participação da sociedade civil no processo. “Acabaram com tudo para começar tudo de novo. Será que a PJF não tem dinheiro para comprar dez quilos de ração de gato por dia? A proteção animal precisa ser ouvida. Eles querendo ou não, nós somos os maiores aliados que eles têm. Quando falta dinheiro, tem que sobrar empatia e boa vontade”, avaliou.

PJF volta a descartar maus-tratos; novo diretor sinaliza ‘porta abertas’

Subsecretário em Vigilância Sanitária, Jonathan Ferreira Tomaz apontou que algumas dificuldades foram trazidas com a transição de Governo municipal, entre 2020 e 2021, e a mudança da gestão do Canil Municipal, que, em janeiro do ano passado, no início da atual Administração, passou a ser realizada pela Secretaria de Saúde. Até então, os serviços eram geridos pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb). “No primeiro ano de Governo, apenas executamos os recursos que foram planejados pela Administração passada”, disse. Segundo ele, também pesaram problemas orçamentários. “Quando assumimos a subsecretaria, em julho de 2021, nos deparamos com um orçamento de R$ 700 mil para cobrir um gasto estimado em R$ 4,2 milhões”, disse.

Segundo ele, a gestão do Canil Municipal ainda encontrou problemas na execução de licitações para a aquisição de insumos, como rações e medicamentos; e serviços, como contrato com clínicas. De acordo com o subsecretário, não apareceram interessados em alguns destes certames. Contudo, Jonathan afirmou que, a partir de janeiro deste ano, a disponibilidade de recursos para a causa animal é maior. “Nós temos R$ 1,194 milhão destinado para a castração; R$ 556 mil, para a aquisição de medicamentos; R$ 285 mil, inicialmente destinados a contratação de uma clínica; R$ 698 mil de um próximo contrato para serviços veterinários; R$ 250 mil para aquisições de veículos; e R$ 301 mil para mutirões de castração.”

As acusações de possíveis maus-tratos foram classificadas como “narrativa”. “É sabido de todos que a pandemia fez aumentar, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, em 70% o número de abandonos. Já pegamos um canil com mais de 600 animais. A pandemia trouxe mais de 300 animais recolhidos na atual Administração”, disse.

Em busca de parceria
Novo diretor do Canil Municipal empossado em janeiro, o protetor Átila de Jesus de Souza afirmou que já trabalha em melhorias, como ampliação do horário em que os funcionários permanecem no abrigo. “Estou buscando parcerias com empresas para que possamos fazer um ponto fixo de adoção de animais”, disse. O diretor admitiu a existência de um relatório que aponta 25 itens problemáticos a serem resolvidos no canil, sinalizando que eles “estão sendo resolvidos”. “Quero um canil de portas abertas”, afirmou, sinalizando que conta com a parceria dos demais protetores para o desenvolvimento de políticas públicas, realização de eventos de adoção e retorno de atividades voluntárias.

Secretário de Saúde diz que levará considerações de protetores à Administração

Recém-empossado como novo secretário municipal de Saúde, Ivan Chebli cumpriu seu primeiro compromisso como titular da pasta na Câmara. Primeiramente, ele destacou o momento difícil pela qual passa a saúde pública nos municípios brasileiros. “A saúde pública tem tido grandes dificuldades para garantir um atendimento oportuno e eficiente”, considerou, ressaltando as dificuldades trazidas pela pandemia, como o represamento de procedimentos eletivos, como cirurgias e exames. “Agora, nos deparamos com um momento muito grave, de enorme pressão sobre o sistema público de saúde e seus parceiros conveniados.” Sobre o assunto que motivou a audiência pública, Chebli afirmou também ser um protetor animal. “Tenho cinco cachorros na minha casa.”

Assim, o novo secretário de Saúde sinalizou diálogo com os grupos da sociedade civil que atuam na proteção animal da cidade. Chebli disse esperar “parceira” e “solidariedade”. Ele ressaltou, porém, que as questões da causa animal não começaram agora, considerando que, apesar de terem ocorrido avanços em um passado recente, melhorias ainda precisam ser alcançadas. “Avançamos onde pudemos. Vamos avançar mais. Mas temos limitações sérias com relação ao financiamento da causa animal. O financiamento do SUS proíbe que sejam destinados recursos do fundo municipal da saúde para a causa animal”, disse, completando que a gestão da proteção animal depende de recursos do Tesouro Municipal e de recursos adicionais.

O secretário de Saúde ainda se disse atento a todas as colocações feitas durante a audiência pública e afirmou que pretende levar algumas delas para a prefeita Margarida Salomão (PT), como a de analisar a possibilidade de remodelar a gestão do Canil Municipal para um modelo de parceria público-privada (PPP), como sugerida por um dos protetores que manifestaram suas opiniões quando a fala estava aberta a populares.

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Delegado diz que vai ouvir ex-secretária e não descarta depoimento de prefeita

Responsável pela condução de uma vistoria feita pela Polícia Civil, que apontou a incidência de situações como superlotação de baias; ausência de separação adequada entre animais; abandono; falta de alimentação e existência de animais mortos alocados em sacos de rações no interior de um freezer, o titular do Núcleo de Atendimento às Ocorrências de Maus-tratos a Animais, delegado Rafael Gomes, afirmou que as investigações prosseguem e estão em fase de coleta de depoimentos. Os desdobramentos da ação da Polícia Civil, que ocorreu no último dia 25 de janeiro, resultaram, inclusive, em um pedido de exoneração da até então gerente do Canil Municipal, a veterinária Rondônia Muniz, “em função da forma como as denúncias têm ocorrido”. Na ocasião, a PJF negou, mais uma vez, haver situação de maus-tratos.

“Vamos ouvir a antiga secretária de Saúde (a médica Ana Pimentel) e, dependendo, vamos ouvir até a chefe do Poder Executivo, para que prestem esclarecimentos com relação aos fatos. Alguém tem que ser responsabilizado pelo que estava acontecendo lá”, afirmou o delegado, durante a audiência pública. Rafael disse ainda que estava na Câmara para detalhar a parte técnica dos trabalhos desenvolvidos pela Polícia Civil. O delegado ainda rechaçou insinuações de que as ações teriam cunho político. “A Polícia Civil trabalha de forma imparcial e de forma isenta”, pontuou o integrante da Polícia Civil, que foi candidato a deputado estadual pelo Avante, nas eleições de 2018.

Segundo o delegado, o inquérito em andamento busca apurar as responsabilidades de funcionários e agentes públicos e de “cada pessoa, independente de quem seja”. “Acompanhei os médicos veterinários durante toda essa inspeção. Ao lado da médica legista, vimos que os animais vão para lá para morrer. Isso nós não vamos aceitar. Foi comprovada situação de maus-tratos para todos aqueles animais que estavam lá. Isso é uma prova técnica”, relatou Rafael.

Compasso de espera
O promotor de Justiça Alex Santiago representou o Ministério Público de Minas Gerais na audiência pública e se mostrou preocupado com os possíveis problemas. “Estamos discutindo o mesmo tema de uma audiência pública que fizemos há seis meses. Isto é sintoma de que existe um problema, e a solução começa quando a gente reconhece um problema. Mas a gente não vê esse reconhecimento por parte da Administração pública. Já se passaram um ano e dois meses e nós temos que voltar a uma audiência pública para novamente dizer que ainda existem problemas.” Ele ainda considerou que “nada avançou” nos últimos meses. Segundo ele, o Ministério Público aguarda a conclusão do inquérito policial para eventual ação penal, pontuando que podem existir responsabilizações sejam por ação ou omissão.

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