PJF avalia antecipar contrapartida para tocar projeto de obras de macrodrenagem

Município busca empréstimo de R$ 420 milhões para intervenções em Santa Luzia, Bairro Industrial, Democrata e Mariano Procópio; financiamento depende de aval federal


Por Renato Salles

12/03/2023 às 07h00

Desde a última terça-feira (7), está em vigor a legislação que autoriza a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) a contratar uma operação financeira de R$ 420 milhões junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina, também conhecido como Corporação Andina de Fomento (CAF). Os recursos serão usados para o custeio de obras de macrodrenagem nos bairros Santa Luzia, Industrial, Mariano Procópio e Democrata, além de intervenções menores no Granbery e nas ruas Cesário Alvim, Luiz Fávero e Padre Café.

Conforme a Lei 14.579, de 6 de março de 2023, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) já pode se movimentar para obter as demais autorizações necessárias, agora da esfera federal, para consolidar um empréstimo de R$ 336 milhões junto ao CAF, ao qual deverão ser somados R$ 84 milhões dos cofres municipais a título de contrapartida. A operação financeira ainda precisa ser aprovada por órgãos do Governo federal, como a Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex), e também pelo Senado.

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Neste momento, enquanto se prepara para atender aos trâmites burocráticos para alcançar o financiamento, a PJF estuda a possibilidade de já dar início às obras, usando os recursos – ou parte deles – a serem pagos pelo Município como contrapartida à operação financeira. “De fato, é possível usar recursos da contrapartida para realizar algumas obras ainda antes que seja liberado o valor do empréstimo. Essa definição está sendo tomada e será detalhada nos próximos dias”, afirma a Prefeitura, em nota encaminhada à reportagem.

Especialista

Thiago Almeida, advogado especialista em Direito Internacional do Investimento, pesquisador de doutorado convidado da Universidade de Genebra, na Suíça, e doutorando em Direito Internacional do Investimento pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o Município pode sim dar início às obras com os valores previstos a título de contrapartida. Inclusive, a iniciativa pode ser vista como um ponto positivo durante a avaliação do projeto e nas negociações do contrato.

“Antecipar o uso da contrapartida demonstra ao órgão internacional que o mutuário está comprometido com a obra. Então é um ótimo sinal. É muito bem-visto que os gastos de contrapartida sejam executados o mais rápido possível”, considera o especialista em entrevista à Tribuna. De acordo com o relato de Almeida, esses investimentos podem ser feitos antes mesmo da celebração da operação financeira, ainda durante os trâmites burocráticos para a autorização federal do empréstimo.

“(Os investimentos) podem ser feitos mesmo antes da assinatura do contrato e depois incorporados ao projeto. O ente federado poderá comprovar, após a assinatura do contrato, que já fez determinados gastos relacionados ao objeto do empréstimo. Aí, caberá ao órgão internacional aprovar. Neste caso, há o risco de ele não querer aprovar, mas é muito baixo. O risco é do Município. Porque, se o contrato de empréstimo não for assinado, por exemplo, se o Senado Federal não aprovar, o Município assume o risco dessa contratação”, diz Thiago.

Autorizações e negociações podem durar mais de dois anos

O advogado Thiago Almeida tem experiência com o tema e dedicou sua tese de mestrado ao assunto. O especialista também já participou de negociações para a consolidação de empréstimos assinados entre órgãos internacionais e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Em novembro de 2019, a PBH assinou dois contratos de empréstimos no valor de US$ 138,5 milhões, aproximadamente R$ 583,5 milhões à época, para obras nas áreas da Saúde e da Mobilidade Urbana. Os contratos foram firmados junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e à Corporação Andina de Fomento, o mesmo CAF com o qual a PJF pretende celebrar um contrato.

Segundo Thiago, não há um tempo padrão para a aprovação das autorizações federais que a Prefeitura de Juiz de Fora precisará para avançar no financiamento. Contudo, o especialista afirma que, em média, os trâmites para os avais federais necessários, a negociação com o CAF, a aprovação do Senado e a assinatura do contrato podem levar entre dois e três anos.

“Em média, se tem um período de seis meses a oito meses para a elaboração da carta consulta, que é feita com a ajuda do órgão internacional. Até a aprovação, foram cerca de dois anos e meio, quase três anos de negociação”, afirma Thiago, lembrando os contratos da Prefeitura de Belo Horizonte, dos quais participou. “Em média, pode durar de dois anos a três anos. Normalmente, dura dois anos. Mas isso não é uma regra”, reforça.

Prefeita deve ir à Brasília para tratar de operação financeira

Questionada pela reportagem sobre com quais prazos trabalha para a consolidação da operação financeira, a PJF evitou fazer estimativas. “A Prefeitura de Juiz de Fora vai se empenhar junto aos seus contatos institucionais para que a tramitação em Brasília dessa operação financeira ocorra com a maior celeridade possível. Neste momento, não há como antecipar um prazo para conclusão desse andamento processual”, diz o Município também por meio de nota.

Ainda de acordo com o posicionamento manifestado pela Prefeitura, a fim de garantir maior celeridade aos trâmites, já nesta semana, “a prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT), viajará a Brasília para, entre outras agendas, tratar da aceleração desse processo”.

Por que a PJF precisa de aval federal e do Senado para consolidar o empréstimo?

Durante a entrevista à Tribuna, o advogado Thiago Almeida detalhou as razões pelas quais a Prefeitura de Juiz de Fora, mesmo já tendo conseguido autorização da Câmara Municipal, precisa de autorização do Governo federal e do Senado para avançar na contratação de empréstimo junto a um banco internacional de desenvolvimento.

O especialista destaca que a Constituição Brasileira estabelece que todas as relações internacionais das quais o Brasil faz parte devem ser feitas pelo Poder Executivo federal. Assim, cabe exclusivamente ao presidente da República a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, “sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.

“Quem negocia um acordo internacional é o Governo federal. Mas, este não é um ato exclusivo do Poder Executivo, mas também do Poder Legislativo”, pontua Thiago. Isso porque, segundo a Constituição, é competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. “Cabe ao Congresso decidir sobre acordos internacionais que têm impacto financeiro no erário. Então esse é um contexto de um acordo internacional”, reforça o especialista.

Assim, no caso de contratos de empréstimo com instituições financeiras externas, como é o caso do CAF, é preciso obter a autorização prévia do Senado Federal antes de assiná-los, o que também é previsto pela Constituição Federal. “A Câmara de Deputados não aprova. Essa é a maior diferença, pois este não é um tratado internacional, é um contrato de empréstimo com uma organização internacional para a cooperação, que tem que ser aprovada pelo Senado”, resume Thiago.

Empréstimo é visto como uma solução para os próximos cem anos para os problemas de drenagem observados em bairros como Santa Luzia (Felipe Couri/Arquivo TM)

Como é o trâmite no Governo federal?

O aval do Senado é necessário na forma de uma aprovação prévia, que antecede a assinatura do contrato. Antes disso, contudo, o projeto da Prefeitura de Juiz de Fora para a contratação do empréstimo deverá passar por uma série de análises de órgãos do Governo federal, que vão avaliar questões técnicas da proposta, além da capacidade financeira de o Município honrar os acordos pleiteados.

“Isso é feito em três etapas. A primeira parte é a aprovação na Comissão de Financiamento Externo (Cofiex). A segunda parte é a própria negociação do projeto e do contrato de empréstimo, que se finaliza com a aprovação do Senado e, só depois, a assinatura. A terceira parte é a execução”, afirma Thiago Almeida.

De acordo com o especialista, os trabalhos da Cofiex são regulamentados do Decreto 9.075 de 2019, além de outros dispositivos que definem limites para os investimentos e capacidade de endividamento de cada ente federado. “É o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal e a Resolução 48/2007 do Senado, que definem quais são os limites possíveis de cada ente federado para tomar.”

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Segundo Thiago, por se tratar de um empréstimo internacional, “o projeto deve estar previamente definido”. “Os órgãos do Governo federal vão analisar o projeto propriamente dito. A Cofiex analisa se o objeto que o Município pretende contratar está dentro das obrigações do Brasil, ou seja, se quer promover o desenvolvimento, por exemplo”, explica.

Negociação

A solicitação à Cofiex deve ser feita por meio de um instrumento chamado Carta Consulta. “Após a aprovação da Cofiex, publicada pelo Diário Oficial da União, serão concedidos dois anos para a negociação, para que o ente federado possa negociar com o órgão internacional. Se a negociação não for concluída dentro deste prazo, o pedido deverá ser novamente submetido. Mas há possibilidade de o ente federado solicitar mais um ano, que, assim, poderá durar até três anos de negociação.”

Thiago explica que a negociação ocorre em duas partes. “Tem uma primeira parte que é uma negociação direta do mutuário, no caso da Prefeitura de Juiz de Fora, com o CAF, em que são tratados todos os detalhes do projeto. Construído um acordo, é elaborada a minuta de um contrato de empréstimo. Aí, acontece então a segunda parte dessa negociação, em que o ente federado passa a negociar essa minuta de contrato junto à União.”

De acordo com o especialista, esta segunda etapa envolve três órgãos do Governo federal: a Secretaria de Assuntos Internacionais (Saim); a Secretaria Tesouro Nacional (STN); e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGNF).

“A Saim vai analisar questões técnicas e se o objeto proposto está adequado aos objetivos da Cofiex e do Governo federal. A STN vai analisar se o ente tem a capacidade de honrar o endividamento e se é capaz de fazer os pagamentos. A PGNF vai olhar a questão jurídica, se essa minuta está jurídica e constitucionalmente adequada.”

Contragarantia

Após aprovação técnica pelo Governo Federal, a análise é encaminhada ao Senado, que dará a última autorização necessária antes da assinatura. Por fim, a terceira parte do processo seria a própria execução do contrato.

“A partir da aprovação do Senado, o contrato pode ser assinado. Há também a assinatura de um contrato de garantia entre o CAF e União, que é a garantia de que, em caso de inadimplência do ente federado, a dívida será paga pela União. Ainda há a assinatura de um contrato de contragarantia, que é a garantia que o ente federado apresenta ao Governo federal assumindo que, em caso de inadimplência, a União pagará o banco, ao mesmo tempo em que cobrará essa dívida do ente federado”, resume Thiago.

Trâmites iniciados com aval da Câmara

O primeiro passo para avançar na consolidação do empréstimo, visto como uma solução para os próximos cem anos para os problemas de drenagem observados em bairros como Santa Luzia, Industrial, Democrata e Mariano Procópio foi dado pelo Município após a aprovação de um projeto de lei pela Câmara Municipal, no último dia 24 de fevereiro. Desta proposta, originou-se a legislação municipal que autoriza o Município a contratar o empréstimo junto ao CAF.

“Todos os acordos internacionais no Brasil que têm impacto ao erário, como é o caso de um empréstimo, o Poder legislativo tem que se manifestar e é por isso que a aprovação do Senado Federal é necessária. Da mesma forma que a Câmara Municipal teve que aprovar uma legislação autorizando o empréstimo. Isso é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.”

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