Participação de mulher no poder ainda é desafio
O ano é 2017. Já faz um século que uma ação política das operárias russas em 1917, que resultou na Revolução de Fevereiro – embrião da Revolução Russa -, ajudou a consolidar o 8 de março como Dia Internacional da Mulher. De lá para cá, a resistência e a luta das mulheres se consolidaram. Avanços foram conquistados. Outros ainda se recusam a declinar, escorados em um cenário social que ainda padece com vieses machistas. Uma destas portas que insistem em permanecer fechadas é a das esferas de poder. A participação das mulheres na política formal ainda se mostra muito aquém do que seria lógico. Em um país em que elas representam 53% do eleitorado, elas ocupam apenas 13% das cadeiras legislativas, em uma conta difícil de se fechar. Em Minas Gerais, a média é ainda mais baixa, perto da casa de 11%. Em Juiz de Fora, onde apenas duas mulheres foram eleitas para ocupar uma das 19 cadeiras da Câmara, a participação feminina é ainda menor: 10,5% (ver quadro).
“Estes números são espelho e imagem do que é o Brasil hoje. Entre os 27 estados da federação, contando com o Distrito Federal, Minas está na 22ª posição no que se refere à ocupação de mulheres dos cargos eletivos. A média do país é de 14%. É muito preocupante”, considera Juliana Moura Bueno, cientista política, ativista pelos Direitos Humanos e ex-chefe de Gabinete da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Para a especialista, são inegáveis os avanços da condição de vida das mulheres no Brasil nas últimas duas décadas. Tais avanços, contudo, não se refletiram na participação política. “Enquanto a sociedade avança como um todo em valores e as mulheres vão conquistando, por seus esforços, cada vez mais espaço e estão cada vez mais empoderadas, não há reflexo disso na política institucional. Isso é sinal de que o sistema político brasileiro é hermético e está desconectado da sociedade. Não por acaso se fala de uma crise de representatividade.”
Resistência dos partidos
Professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutora em Direito Constitucional pela USP, Luciana de Oliveira Ramos aponta que são vários os fatores que inibem e obstaculizam uma maior participação feminina na política. O principal gargalo, contudo, seriam os partidos políticos. “Eles têm muita resistência em incluir as mulheres no jogo eleitoral. A política é uma forma de determinados grupos se perpetuarem no poder. A brasileira foi construída em um modelo e regras do século XVIII e XIX que ainda se mantêm, como, por exemplo, o fato de existirem poucas dirigentes de partidos que são mulheres e o fato de os partidos não verem as mulheres como potenciais puxadoras de votos. Precisamos democratizar estas estruturas completamente antigas e de visão conservadora.” Para Luciana, a candidaturas femininas acabam deixadas de lados pelas legendas, que, via de regra, investem a maior parte do Fundo Partidário e demais recursos destinados às campanhas a candidaturas de homens. “A gente sabe que, no Brasil, ganha a eleição quem tem mais dinheiro.”
Para Juliana Bueno é preciso ficar claro que a sub-representação em cargos eletivos no país não ocorre porque as mulheres são menos capacitadas, porque são menos estudadas, porque gostam menos da política ou porque tem menos vocação para ela. “Em uma democracia saudável, mesmo os grupos minoritários são respeitados e participam da vida política do país. A lógica que impera hoje no país é outra: há cada vez mais concentração de poder nas mãos dos mesmos, e eles são homens brancos. Os dirigentes partidários são homens, os financiadores das campanhas são homens, os homens foram as únicas lideranças políticas do país durante muito tempo”. Assim como a professora da FGV, a cientista política considera que os partidos não incentivam a participação das mulheres e considera a legislação brasileira insuficiente para reverter tal cenário. “A lei só obriga que 5% do Fundo Partidário seja destinado às candidaturas de mulheres. Inclusive, o procurador geral da república, Rodrigo Janot, foi ao STF, em outubro do ano passado, questionar a desproporcionalidade entre reserva de vagas e destinação do Fundo Partidário a mulheres.”
Proposta de cota para mulheres nas cadeiras Legislativas
A questão da lei que obriga que partidos e coligações reservem pelo 30% das candidaturas a cargos legislativos a mulheres também é vista como inepta. “Existe uma legislação, mas é uma legislação que tem falhas. Isto ainda é muito pouco, pois exige apenas um percentual mínimo na lista de candidaturas. Visivelmente, esta é uma política pública que não tem funcionado, até porque os partidos criam maneiras para burlar as regras”, afirma Luciana. A professora sugere que a reserva de vagas legislativas poderia ser uma solução mais adequada para aumentar a participação das mulheres nas casas legislativas. “Se pensarmos em uma reserva de cadeiras e não apenas de um percentual de candidaturas seria muito mais efetivo, pois, assim, haveria garantia de um mínimo de participação próximo do que se considera razoável. Existe uma proposição de emenda constitucional neste sentido, mas, acho, acabará barrada na Câmara por afetar exatamente a ocupação dos cargos nas casas legislativas. Esta proposta prevê um percentual mínimo de 10% nas eleições subsequentes à aprovação, depois 12% e mais à frente 16%. São percentuais pífios, que não melhoram a posição do Brasil no ranking mundial.”
Juliana Bueno também defende uma readequação da legislação e cita como exemplo outros países latino-americanos. “A experiência internacional, de países próximos a nós como Argentina, Chile, Bolívia e México, nos mostra que as mulheres só passaram a estar mais representadas quando se atuou em duas frentes. A primeira delas, foi a delimitação das cotas para mulheres dirigentes nos partidos e uma fiscalização exímia das finanças dos partidos no que se referia à destinação de recursos para as mulheres. A segunda, foi mexer na organização do sistema partidário, ou por meio da introdução de cotas nas vagas nos parlamentos – há casos de 30% e de 50% de vagas – e também na introdução de listas partidárias fechadas com alternância de gênero para os parlamentos”, afirma a cientista política, que conclui em seguida: “o caminho que nos resta, portanto, é uma reforma política que tenha como um de seus fundamentos que o diagnóstico de que o Brasil ainda é um país de extrema desigualdade e que isso impacta diretamente nosso sistema partidário-eleitoral.”
Confira a íntegra das entrevistas com Juliana Moura Bueno e Luciana de Oliveira Ramos.
Com respaldo das urnas, defesa de direitos pautam atuação de parlamentares locais
Em Juiz de Fora, três mulheres com domicílio eleitoral na cidade detêm mandatos eletivos. Apesar de integrar uma minoria nas casas legislativas, o trio teve resultado acima da média em eleições recentes. As vereadoras Sheila Oliveira (PTC) e Ana Rossignoli (PMDB) registraram os dois melhores desempenhos nas eleições de outubro, que definiram a Legislatura 2017-2020. Com 9.921 votos, Sheila estabeleceu votação recorde na cidade em disputas por cadeiras no Poder Legislativo municipal. Completa o trio a deputada federal Margarida Salomão (PT), candidata mais votada na cidade entre os concorrentes à Câmara dos Deputados nas eleições de 2014, quando computou o apoio de 53.485 eleitores.
Mais do que detentoras de mandato, as parlamentares têm lançado mão de questões relacionadas às mulheres para pautar suas ações parlamentares. Bandeira recorrente de sua atuação política, a defesa da igualdade de direitos é uma constante nos posicionamentos de Margarida. Recentemente, a deputada tem adotado um discurso duro contra a reforma previdenciária sugerida pelo Governo do presidente Michel Temer (PMDB), sob a alegação que os maiores prejuízos serão para as mulheres, que “trabalham mais, em jornadas múltiplas e ganham menos que os homens”, considera a petista. “É uma piada macabra que, no Brasil, se fale de promover a igualdade entre homens e mulheres na idade da aposentadoria. Hoje, dados do PNAD e IBGE atestam que as mulheres trabalham semanalmente uma jornada mais longa do que os homens. Também é sabido que as mulheres recebem, em média, 30% a menos da remuneração masculina”, reforça Margarida.
Vereadora em seu terceiro mandato, Ana Rossignoli apresentou, em janeiro, projeto de lei que defende a inserção nas discussões escolares de questões relacionadas à Lei Maria da Penha. A peemedebista justifica que a proposição tem por escopo criar “mais um instrumento de informação na prevenção à violência contra a mulher, possibilitando a crianças, adolescentes e jovens, a reflexão sobre o respeito às mulheres”. No texto formalizado junto à Câmara, Ana reforça ainda a defesa de ideias relacionadas a cultura da paz, do entendimento e de combate à violência.
Estreante
Em seu primeiro mandato eletivo, Sheila Oliveira reconhece que a representatividade das mulheres nas casa legislativas ainda é aquém do esperado. Contudo, após ter tido o melhor desempenho entre as 415 candidaturas em disputa, a parlamentar acredita em melhores resultados das empreitadas femininas nas próximas eleições. “Fui a vereadora mais votada. A Ana foi a segunda mais votada. Isto mostra que as pessoas têm mostrado mais confiança nas mulheres, que estão ganhando mais credibilidade para ocupar cargos importantes.”
Acumulando funções na Polícia Civil, onde chefia a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, a vereadora já sinaliza que deve valer-se da experiência para sugerir propostas para melhorar o cotidiano das mulheres na sociedade juiz-forana. “Já penso alguns projetos que devem abordar temas relacionados ao combate à violência sexual, por exemplo. Os trabalhos na delegacia devem ainda servir como base para um projeto que devo apresentar na Câmara já no período legislativo de março”, revela a delegada.