Leituras contraditórias travam Plano da Mulher


Por EDUARDO MAIA

05/07/2015 às 07h00

Cristina Castro:

Cristina Castro: “O plano visa a uam educação não sexista”

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Pastor José Carlos:

Pastor José Carlos: “Somos contra qualquer projeto que venha contra a Bíblia”

Responsável por provocar intensos embates nas reuniões da Câmara durante a votação do Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, o termo gênero passou a ser interpretado de formas contraditórias pelos setores em discussão. Amparado por fundamentações teóricas ou religiosas, sua inserção no debate possibilitou uma certeza: torna-se necessária maior discussão e esclarecimento sobre o tema. Inicialmente tratado por vereadores com uma “palavrinha” que precisava ser substituída no texto, tomou grande proporção ao longo das reuniões, até a retirada do projeto pelo Executivo. O Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, que coordenou os trabalhos pela elaboração da política, atribui ao termo uma das principais razões para a violência contra a mulher, levando em conta o total de 4.936 ocorrências em Juiz de Fora no ano de 2012, a partir de dados da Polícia Militar. Por receio de modificações que viessem a comprometer o sentido do plano, o conselho solicitou à Prefeitura a retirada da mensagem.

Coordenadora do Grupo de Ação e Formação Múltiplas Sexualidades, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a pesquisadora Ana Cristina Nascimento Givigi afirma que gênero é uma construção.”Ensinamos as pessoas a sentar, a se vestir, a sentir, a usar brinquedos e roupas x ou y, e isto as faz serem conhecidas como meninos ou meninas. Então, dizemos que o gênero é uma forma de reconhecimento político, somos reconhecidos no mundo por um corpo ‘genereificado’. Contudo, muitos não se constituem de repertórios tão rígidos e binariamente divididos, o que enseja que há várias formas de femininos e de masculinos. Aqueles que fogem às rígidas normas de gênero têm tido menos alcance aos direitos”, explica.

[Relaciondas_post] Segundo a pesquisadora, ao se citar apenas o termo sexo, pessoas passam estar à margem das políticas públicas. “São tratados (as) como cidadãos (as) de segunda classe. Cumprem deveres, mas não fazem jus aos direitos disponíveis aos humanos, o que significa que o Estado promove seres mais e outros menos humanos, por serem menos dignos de direitos, por causa de suas diferenças. Entendo que é um desafio produzir políticas para as diversas formas de vida exatamente porque nos orientamos politicamente pelo sujeito homogêneo e não pela diferença.”

 

Religião no debate da educação

Das definições que permearam a polêmica discussão sobre gênero, destacaram-se posicionamentos de religiosos, contra a inserção do termo no plano. Em carta enviada aos vereadores pelo arcebispo, dom Gil Antônio Moreira, à qual a Tribuna teve acesso, ele aponta para perigos do que chama de “ideologia de gênero”. Segundo o religioso, os riscos, principalmente na elaboração do Plano Municipal da Educação, podem se caracterizar pela “construção de uma sociedade baseada em total permissividade sexual, considerando como valor o que é hoje, em vários casos, como promiscuidade”. Na carta, o religioso afirma que passa-se a uma “usurpação da autoridade dos pais, em matéria de educação dos filhos, passando-a para o Estado”.

Dom Gil chega a pedir atenção de parlamentares na aprovação dos planos, sob o risco de passarem outros termos como “igualdade de gênero”, “igualdade sexual” e “orientação sexual”, os quais, segundo o bispo, “dizem a mesma coisa”. Já o presidente do Conselho de Pastores de Juiz de Fora, José Carlos Dias Vieira, afirma existir um consenso entre pastores contra o termo. “Somos contra qualquer projeto de lei que venha contra a Bíblia. A partir do momento que decidimos obedecer à palavra de Deus, em todas as questões contrárias, como a ideologia de gênero, vamos nos posicionar contra. Nós acolhemos o homossexual, mas discordamos de todas as práticas”, sustenta.

A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Cristina Castro, explica que a confusão com o conceito, tem provocado interpretações equivocadas. “Ninguém nunca negou a existência de sexo. O que a gente fala é que a diferença de sexo não pode predominar sobre as relações. Não é ela que determina quem é melhor ou pior. Queremos um ambiente de paz, em que as pessoas possam viver de forma democrática, que as pessoas possam viver sem discriminação. Na semana passada, tivemos mais uma mulher vítima da violência. Temos que mudar a mentalidade das pessoas em relação a isso, promover a mudança de comportamento. O plano visa a uma educação não sexista, não homofóbica. A criança tem que ter na sociedade um lugar para aprender a não ser machista”.

 

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A palavra ‘gênero’ será polêmica em outros planos

Ainda que o Plano da Mulher tenha sido retirado de votação, a discussão sobre gênero na elaboração de políticas públicas pode gerar novos conflitos, como no Plano Municipal da Educação e também no das Políticas para a Juventude. Em construção por um fórum permanente, com representação de diversos segmentos da sociedade civil, o plano da educação já teve os debates iniciados durante as reuniões da Câmara no início do mês de junho. O conflito foi motivado exatamente pela possível inserção do conceito, já que houve a menção no Plano Nacional da Educação.

Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade da UFJF, o professor Roney Polato participa das discussões e questiona a força de “setores conservadores” que tentam evitar a inclusão de questões ligadas às discriminações de identidade de gênero e sexualidades. “Proibir que tal discussão seja incluída nesses documentos é algo nocivo para a nossa cidade, é um modo de deslegitimar os direitos conquistados e as pautas de reivindicações dos movimentos sociais LGBTT e de mulheres. É uma tentativa de negar o que já vem acontecendo nas escolas, ou seja, crianças, jovens e adultos vêm fazendo importantes discussões e se formando para compreender as dinâmicas culturais e sociais das sexualidades e dos gêneros”, diz.

Além disso, o pesquisador orienta para que a população se atente para uma discussão mais aprofundada sobre o tema. “É necessário que as pessoas não se deixem guiar apenas por orientações vindas de seus líderes religiosos ou de representantes políticos que parecem não possuir um conhecimento mais aprofundado das discussões científicas no campo das relações de gênero e sexualidades. A quem interessa a proibição dessas discussões? Precisamos construir um posicionamento crítico e, sobretudo, um posicionamento sensível às diferenças e ao sofrimento das pessoas que historicamente são invisibilizadas, silenciadas e violentadas em função de suas identidades de gênero e sexualidades”, argumenta.

O que diz o plano

Dividido em nove capítulos, o Plano Municipal de Políticas para as Mulheres propõe a construção de uma sociedade justa, buscando igualdade entre mulheres e homens, com respeito às diferentes orientações sexuais, além da igualdade racial e étnica. O texto sugere a eliminação de conteúdos sexistas e discriminatórios, além da inserção de temas voltados para a igualdade de gênero e valorização das diversidades nos currículos, materiais didáticos e paradidáticos da educação básica. A iniciativa visa a contribuir para a redução da violência de gênero no âmbito escolar e universitário. Além disso, em seu capítulo oitavo, o plano trata do enfrentamento do racismo, sexismo e da lesbofobia. Assim, o texto prevê medidas de implantação e implementação de ações de combate às desigualdades em relação ao racismo, sexismo, à orientação sexual e à identidade de gênero.

 

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