Com os pré-candidatos nas ruas, Tribuna abre cobertura eleitoral 2018

Sem qualquer outro tipo de restrição, políticos e “outsiders” aproveitam período de pré-campanha para tentar viabilizar seus nomes nas urnas. Para advogados eleitorais, instituições devem coibir abusos


Por Renato Salles

04/03/2018 às 07h00

A visita da jornalista e ex-apresentadora Valéria Monteiro (PMN) a Juiz de Fora na última quinta-feira (1º) marcou a passagem do quarto pré-candidato à Presidência da República por Juiz de Fora em pouco menos de um ano. Em eventos de diferentes vieses, desde março de 2017, já passaram pela cidade o ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional, Ciro Gomes (PDT), o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD) e o banqueiro e empresário João Amoêdo (Novo), além de Valéria, é claro.

O que as peregrinações do quarteto por municípios brasileiros têm em comum? O fato de todos estarem se beneficiando de uma maior flexibilidade das regras de pré-campanha eleitoral para apresentar suas propostas e tentar viabilizar junto à suas bases e aos eleitores seus nomes como possíveis postulantes à cadeira de presidente. De acordo com as normas vigentes desde a minirreforma eleitoral, a única restrição válida até o próximo dia 16 de agosto, quando passar a ser permitida a propaganda eleitoral e seus regramentos, é o pedido explícito de voto por parte dos nomes interessados em disputar as cadeiras executivas e legislativas no pleito de outubro.

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Ministro Henrique Meirelles esteve em JF em convenção da Assembleia de Deus, em agosto do ano passado (Foto: Felipe Couri/Arquivo TM)

“De fato, a reforma eleitoral introduzida em 2015 reduziu o campo de abrangência fática daquilo que poderia configurar a chamada propaganda eleitoral antecipada. A partir de então, a hipótese configuradora deste ilícito eleitoral limitou-se àquelas circunstâncias nas quais há pedido explícito de voto”, explica o advogado especialista em direito eleitoral e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Guilherme Barcelos.

Na prática, a falta de um maior regramento – o que dá liberdade aos pré-candidatos para anteciparem suas plataformas e possíveis flertes com o eleitorado – não é utilizada apenas por presidenciáveis. Em Minas, possíveis postulantes ao Governo de Minas Gerais já têm se movimentado para consolidar seus projetos eleitorais. Juiz de Fora, por exemplo, recebeu recentemente visita do ex-prefeito de Belo Horizonte, o empresário Márcio Lacerda (PSB), que já se coloca como um dos concorrentes na sucessão estadual e busca apoio de outros grupos partidários.

Empresário João Amoêdo participou de encontro do Partido Novo na cidade como pré-candidato, em novembro (Foto: Marcelo Ribeiro)

Pré-candidatos a cadeiras legislativas, sendo estes detentores de mandatos – como vereadores e deputados – ou não, também têm se movimentado bastante. Seja por meio de uma maior inserção em redes sociais, inclusive com postagens patrocinadas, ou, até mesmo, por esforços para divulgar suas ações na mídia tradicional. É possível perceber, até mesmo, a criação de factoides ou maior divulgação de atos públicos e ações de perfil social ou, até mesmo, assistencialista, que denotam intenções claras de tentar potencializar prováveis candidaturas.

Para Guilherme Barcelos, a falta de regras mais rígidas no período que antecede o prazo legal de propaganda eleitoral, no entanto, não significa que os pré-candidatos podem se utilizar de todo e qualquer artifício a fim de reforçar seus projetos pessoais. Segundo ele, há riscos, até mesmo, de os mesmos serem questionados pela Justiça Eleitoral nas situações em que forem registrados possíveis abusos, principalmente a utilização exacerbada de recursos financeiros ou o uso de recursos públicos, como as verbas parlamentares, por exemplo, para impulsionar possíveis aspirações eleitorais.

Ex-ministro Ciro Gomes, em visita à UFJF, em março, já falava em disputa presidencial, inclusive com ex-presidente Lula (Foto: Fernando Priamo)

Para especialista, regras de pré-campanha são muito permissivas

Neste sentido, o advogado eleitoral Guilherme Barcelos apresentou entendimento de que a utilização de recursos privados e também de verbas das agremiações partidárias em atos de pré-campanha deveria sofrer um rigoroso controle por parte da Justiça Eleitoral, uma vez que possíveis abusos de poderio financeiro causariam desequilíbrio no processo eleitoral, antes mesmo do início do início da campanha.

“Isto não apenas para verificarmos a origem dos recursos utilizados em caravanas, viagens e eventos, mas também para acompanharmos a monta destes mesmos recursos. A ausência de controle seria absolutamente paradoxal, considerado o extenso regramento relativo às eleições em si”, considera, apesar de admitir que a minirreforma eleitoral provocou um vácuo legal, em que as regras da pré-campanha se mostraram amplamente permissivas.

Jornalista Valéria Monteiro veio à JF na última semana, conforme roteiro de sua pré-campanha chamada Caravana da Coragem (Foto: Leonardo Costa)

“Tais eventos de ‘pré-campanha’, a princípio, não são vedados. Logo, o uso de recursos eventuais nestes eventos não é ilícito. Deve-se coibir, porém, as situações de abuso, que podem ser verificadas, por exemplo, na utilização de vultosos recursos privados, ou mesmo na desvirtuação das verbas de gabinetes parlamentares, por exemplo, consubstanciada na utilização de recursos públicos para a realização de campanhas eleitorais nada veladas, ainda que em período prévio”, afirma o advogado. Ele ainda retorça: “a ausência de um maior regramento, mais do que isso, a ausência de controle por parte das instituições, pode ferir a igualdade entre os candidatos sim. O uso, a princípio, não é vedado. Mas o abuso de poder econômico, é.”

Uso de recursos públicos configura ato de improbidade

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Apesar de defender a atual flexibilidade das regras da pré-campanha, como um direito inerente aos eleitores diante da possibilidade de conhecer suas opções de voto, o também advogado especialista em direito eleitoral Alexandre Rollo destaca que atos de pré-campanha realizados com recursos públicos podem configurar crime, além de constituírem inegáveis atos de improbidade administrativa e possível abuso do poder econômico com possíveis reflexos eleitorais. Alexandre, que é conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), considera porém que “a falta de um maior regramento para a pré-campanha não fere a isonomia entre os concorrentes”. “Esta possível omissão legislativa afeta a todos da mesma forma e sem qualquer distinção”, avalia.

Sobre possíveis práticas de abusos do poder econômico, o advogado aponta que a prática pode incidir não só no período que antecede ao pleito, como na própria campanha eleitoral. “Para isto, existem os órgãos de controle que analisarão caso a caso, podendo o pré-candidato sofrer as consequências por eventuais abusos praticados na pré-campanha. Mas, em uma democracia como pretende ser a brasileira, não se pode proibir que pessoas públicas rodem o país tratando dos mais variados assuntos. Repito, o próprio eleitor tem o direito de conhecer quem pretende ser candidato a algum cargo eletivo para fazer a escolha certa”, finaliza.

Novas normas podem favorecer debate político

Por outro lado, outros dois advogados especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Tribuna consideraram que as novas regras da pré-campanha trazem mais benefícios do que prejuízos para as discussões eleitorais brasileiras. Este é o entendimento reportado por Flávio Boson Gambogi, integrante a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e Conselheiro Seccional da OAB/MG. Para ele, apesar de já estar em vigor nas eleições municipais de 2016, o novo regramento incidente sobre a pré-campanha “acabou não tendo muita eficácia para aquela eleição, na medida em que a mudança não havia sido ainda assimilada pelos partidos, candidatos e, principalmente, pela Justiça Eleitoral, que continuava a entender que a divulgação de nomes e ideias antes do registro das candidaturas constituiria conduta ilícita, passível de sanção.

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“Apenas durante a campanha de 2016 é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alterou substancialmente seu entendimento, conferindo eficácia ao regramento mais liberal do legislador, que só proíbe o pedido expresso de voto, autorizando todas as demais condutas afeitas ao debate político”, considera Flávio. O especialista vai além e defende que, só na pré-campanha deste ano, o país estaria experimentando os efeitos das novas regras e seus pontos negativos e positivos. “As restrições que existiam, sob o pretexto de assegurar isonomia e impedir o abuso do poder econômico, acabavam por castrar a liberdade de expressão, sufocar o debate eleitoral e praticamente impunham o abuso de poder político” afirma.

A permissão ao debate político, antes mesmo do período eleitoral, além de corrigir essa distorção do sistema (de dar visibilidade apenas a quem detém mandato), traz ao cotidiano da sociedade a disputa política, o que é bastante salutar para a democracia”

Flávio Gambogi, advogado eleitoral

Para justificar tal entendimento, o advogado pontua que, com a vigência do regramento anterior, um político consolidado ou no exercício do cargo tinha quatro anos para divulgar seu nome e ideias. Já aqueles que não detinham mandatos ficavam restritos ao período de campanha. “A permissão ao debate político, desta feita, antes mesmo do período eleitoral, além de corrigir essa distorção do sistema, traz ao cotidiano da sociedade a disputa política, o que é bastante salutar para a democracia”, afirma Flávio, ressaltando que, apesar de a legislação mais flexível poder resultar em abusos, há instrumentos para punições “sem que seja necessária a censura que antes vigorava”. “Do jeito que hoje está, penso eu, ganha a sociedade, ganha a democracia”, resume.

‘Antecipação instiga a participação do cidadão comum’

Sem citar exemplos, o integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Flávio Boson Gambogi, desconsiderou a atual pré-campanha que mexe com o país e com as disputas estaduais como propaganda eleitoral antecipada. Assim, apontou vieses positivos do atual debate que antecede o pleito que irá eleger presidente, governadores, senadores e deputados estaduais e federais. “Tenho como extremamente positiva a atual pré-campanha, na medida em que traz para o cotidiano das pessoas o debate político e instiga a participação do cidadão comum na análise das propostas, o que, consequentemente, resultará numa decisão mais madura e fundamentada quando das eleições de outubro”, avalia.

No Brasil, estamos chegando a uma quase campanha secreta. Sou a favor da pré-campanha mais ampla possível que, obviamente, deve ser custeada com recursos do próprio pré-candidato e/ou de seu partido”

Alexandre Rollo, advogado eleitoral

Da mesma forma, o advogado Guilherme Barcelos, que também é membro da Abradep, considera proveitosos para o país o fato de o debate presidencial estas sendo alvo de “tamanha publicidade”. “Mesmo em período de pré-campanha, vemos inúmeros cidadãos brasileiros apresentando-se como potenciais candidatos à Presidência da República, cada qual à sua maneira e com as suas propostas de governo. Isto é bom, afinal, proporciona que a população dialogue com estes potenciais candidatos”, avalia o especialista.

Advogado especialista em direito eleitoral e conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Alexandre Rollo cita o modelo adotado nos Estados Unidos em que pré-candidatos fazem ampla campanha e correm o país para serem escolhidos por seus próprios partidos nas prévias, quando são questionados sobre assuntos de interesse nacional e temas dos mais simpáticos aos mais espinhosos. “No Brasil, estamos chegando a uma quase campanha secreta. Sou a favor da pré-campanha mais ampla possível que, obviamente, deve ser custeada com recursos do próprio pré-candidato e/ou de seu partido”, avalia Rollo.

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