Times mineiros dominam futebol brasileiro em 2014
Com o fim do ano se aproximando, as retrospectivas são comuns. E quando olharmos para trás, avaliando a temporada do futebol brasileiro, certamente chegaremos à conclusão de que 2014 foi dos mineiros. O Cruzeiro venceu o Brasileirão; o Atlético-MG faturou a Copa do Brasil; o Tombense ficou com a taça da Quarta Divisão; o Tupi fez boa campanha da Terceirona e bateu na trave do acesso; o Boa Esporte viveu a mesma experiência na Série B; e ao lado do clube de Varginha, o América-MG, mesmo perdendo 6 pontos no tapetão, chegou à ultima rodada da Segundona com possibilidade de voltar à elite do futebol nacional.
Para o comentarista das rádios Globo e CBN de Belo Horizonte Henrique Fernandes, é preciso separar o que levou os clubes da capital ao ano bom e a situação das equipes do interior. “Existe uma dificuldade muito maior para quem está fora da capital, distante de centros de investimento, das maiores vitrines e até mesmo da Federação Mineira, completamente omissa em relação aos times do interior”, considera.
Segundo Fernandes, o sucesso de Cruzeiro, Atlético e América tem motivos diferentes. “Desde o fim dos anos 1990 o Cruzeiro é time de ponta no Brasil”, avalia. “Depois do quase rebaixamento em 2011, veio a eleição de Gilvan de Pinho Tavares e o fim da Era Perrela. Em 2012, a prioridade era a permanência na Primeira Divisão e a recuperação financeira do time, o que foi alcançado. Com a chegada de Alexandre Mattos, bom negociador, criativo e ousado, o departamento de futebol foi repaginado e, após o sucesso do Atlético em 2012, 2013 foi ano de investimento pesado na Raposa, aposta no novo projeto de sócio-torcedor, viabilizado com a parceria com a Minas Arena.”
E todo o recurso vindo da torcida, de acordo com Fernandes, é investido no futebol do clube. “O torcedor tem a mentalidade que precisa pagar em dia para que o time seja forte, e o time forte impulsiona o torcedor a pagar em dia. Para fechar tudo isso, vale citar a boa aposta no Marcelo Oliveira, que vinha de uma passagem relâmpago no Vasco, mas de três ótimos anos no Coritiba. Apesar da identificação com o Atlético, a diretoria do Cruzeiro bancou e ele se mostrou o cara certo.”
Galo e Coelho
No Atlético, mudanças de mentalidade e planejamento foram cruciais. “O Atlético tem um dos melhores CTs do Brasil desde os anos 1990, mas não tinha planejamento, que veio com Cuca e Eduardo Maluf. Um clube organizado, sem grandes problemas quanto a divisão na diretoria desde a entrada de Alexandre Kalil em 2008, que montou uma equipe de trabalho enxuta e da confiança dele. O clube também equacionou a dívida fiscal e a trabalhista e vem cumprindo os compromissos a risca, estabilizando a parte financeira. Também existe uma influência forte de patrocinadores fiéis como MRV e BMG, sempre dispostos a apoiar o clube. Também houve uma mudança de mentalidade desde a Libertadores de 2013. O Atlético passou a acreditar que pode vencer. A torcida pensa assim e ajuda a fazer a diferença.”
O jornalista juiz-forano, hoje radicado em Belo Horizonte, reputa o bom ano, apesar de turbulento, do América a escolhas acertadas dentro e fora de campo. “O América tem salário em dia, boa estrutura no centro de treinamentos e uma categoria de base bem montada. O preço de ingressos foi derrubado pela metade em toda a Série B, o que aumentou a média de público, melhorando os resultados no Independência. O clube acertou na aposta no (técnico) Moacir Júnior – que poderia estar no comando do time até hoje se não fosse a perda de pontos – e novamente contratando o Givanildo, que conhece o clube como ninguém. O bom elenco, com opções interessantes para quase todos os setores, é fruto de uma parceria que o clube tem com (o empresário) Eduardo Uram”, analisa Fernandes.
Interior
Quem acompanha tanto o futebol da capital como do interior e esteve no dia a dia da cobertura da campanha do Tupi na Série C 2014, como o repórter da Rádio Solar AM Márcio Santos, enxerga semelhanças entre os motivos que levaram ao sucesso dos mineiros esse ano. “As palavras planejamento e profissionalismo se encaixam perfeitamente em todos os times. Cruzeiro e Atlético, depois do susto de 2011, quando quase foram rebaixados para a Série B, planejaram melhor para as temporadas seguintes, e o que se viu neste ano foi o resultado deste trabalho de bastidores. O América, apesar dos bons resultados dentro de campo, deixou a desejar no profissionalismo, por isso não esteve mais forte na luta pelo acesso. Já o Boa está se planejando desde 2011, quando ascendeu à Série B, competição que aprendeu a disputar, por isso conhece o mercado e consegue sempre montar bons times”, considera.
Para Santos, os times da Zona da Mata também souberam projetar suas temporadas e, por isso, colheram os frutos. “Exemplo de planejamento é o Tombense, que abriu mão da disputa da Série D em outras oportunidades, mas quando se viu preparado, disputou e foi campeão. O Tupi, apesar de não ter conquistado o acesso à Série B, demonstrou que planejou a sua temporada, tendo em vista que o objetivo era se manter na elite do futebol mineiro e na Terceira Divisão brasileira. Objetivos conseguidos com sobras. No segundo semestre, a diretoria buscou um treinador competente e que conhece o clube, Leonardo Condé, por isso soube administrar os poucos recursos que o clube dispunha. Mesmo assim, trouxe jogadores de qualidade por valores abaixo do mercado.”
Comparando a situação do ano nos clubes do interior, o repórter do Globoesporte.com Bruno Ribeiro, que cobriu de perto as campanhas do Tupi e do Tombense, destaca semelhanças e diferenças. “O Boa fez em nível nacional o que o Tupi faz no estadual, desde 2007, quando voltou a figurar no Módulo I: a equipe fincou o pé em uma divisão. Nos últimos anos, o Boa tem feito campanha medianas – algumas mais consistentes, outras menos -, mas sem correr tantos riscos de queda. Tendo esta noção de estabilidade, o clube conseguiu fazer uma boa segunda metade de campeonato, se recuperou na tabela.” Para Ribeiro, o Alvinegro de Santa Terezinha e o Tombense tiveram méritos distintos. “O Carijó montou um time barato e competitivo, fazendo uma campanha surpreendente na Série C. O Tombense montou um time caro, com a ajuda sempre importante do empresário Eduardo Uram, e conquistou um título nacional na sua estreia na Série D.”
Trabalho duro e estrutura na base de tudo
Vivendo o dia a dia do Boa Esporte, o apresentador e repórter da Rádio Melodia FM, Márcio Prado, acredita que o clube de Varginha fez aposta em uma fórmula certa para conseguir o sucesso. “Com uma das menores folhas de pagamento da Série B, mas com foco no trabalho, o Boa exige uma alta carga de treinamentos de seus atletas constantemente. Treinos em dois períodos são comuns. A parte física é priorizada com profissionais altamente qualificados e investimentos em equipamentos. Jamais se veiculou uma situação de atrasos de salários de jogadores e funcionários, fato corriqueiro no futebol.” Segundo Prado,o principal objetivo do clube é revelar atletas para fazer receita. “Em 2014, jogadores como Thomas, Welington, Fernando Karanga e Vinicius Hess já são alvos de grandes clubes do futebol brasileiro e do mercado exterior. Acredito que esses são os principais ingredientes para o sucesso do clube.”
Degrau acima
De um modo geral, existe o reconhecimento de que o futebol de Minas Gerais subiu um degrau importante em 2014, mesmo que as equipes tenham méritos individuais distintos. “Houve grande evolução no futebol mineiro, mas é claro que não podemos generalizar”, ressalva Prado. “Cruzeiro e Atlético possuem centros de treinamentos que são referência no futebol brasileiro, há organização e investimentos em categorias de base somadas a contratações de jogadores de alto nível. Os times do interior ainda necessitam de um apoio maior e um calendário de competições organizadas pela Federação Mineira. Muitos clubes só têm atividades no primeiro semestre. Mas a profissionalização do futebol no âmbito dos dirigentes contribuiu muito nos resultados conquistados dos clube do interior.” Ribeiro faz coro: “Acho que os motivos são diferentes, mas os clubes mineiros têm tido o mérito de os dirigentes terem seriedade e pés no chão na hora da montagem dos times, e isso foi decisivo para seu sucesso em 2014”.